PRIMEIRO
DE ABRIL, JOGO SÉRIO
Vera
Lins
O último livro
de André Luiz Pinto tem o título de Primeiro
de abril. Geralmente os títulos são pistas para o que vamos
encontrar mais adiante. O que acontece aqui?
Primeiro
de abril diz de um rebate falso, da mentira brincalhona. O que
terá a poesia a ver com o primeiro de abril? A palavra não é
a coisa, e a flor de Mallarmé é aquela ausente de todos os buquês.
A idéia de jogo, de uma armação, de um logro é o que primeiro
vem à mente. Algo é armadilha aqui, mas não importa - há um
jogo que pode desvendar alguma coisa, aquilo que não se diz,
inconsciente, horizonte que se abre à visão. O título do livro
o sugere e espera-se, então, por isso - pela brincadeira reveladora,
o jogo que abala nossas certezas, mas que abre caminhos.
De
poema a poema é isso que se espera, mas o leitor fica aturdido
- uma floresta de caminhos se abre, uma explosão de soluções
diferentes. Parece que algo se delineia como caminho, mas já
no próximo verso é outra coisa que se mostra. Talvez aqui resida
o primeiro de abril - uma constante quebra de expectativas,
o que fica é a ambigüidade da epígrafe de Pascal, que fala de
um animal que se mantém em estado ambíguo, entre o peixe e o
pássaro. Difícil fixar o olhar.
A
poesia não é lugar de certezas, porém do isso e aquilo, do ambíguo.
Mas também da palavra precisa, palavra que, retirada da cadeia
da comunicação, de seus elos habituais, não é mais moeda gasta,
me reporto a Valéry, vem nova, com toda força, dizer
o inesperado, o espanto.
Aqui
o poeta fala de tudo, às vezes aparece um caderno, uma notação
de hora, outra de dia, mês e ano; às vezes, numa sintaxe solta,
noutras, numa sintaxe mais tensa. Os poemas lembram anotações
díspares, como seu verso diz que são díspares todas as anotações.
O primeiro de abril está aqui - são apenas anotações impuras,
desordenadas, ambíguas, a serem exploradas ainda. Notas de alguém
que se move pela cidade, embora ela só apareça num poema que
se distingue dos outros, "Olhai os atropelados da esquina",
mais discursivo, que, com delicadeza e lirismo, faz uma referência
explícita à violência urbana, à experiência de choque, ofertada
pela cidade moderna.
Os
atropelados são homens, são lírios.
Brotam
no meio do asfalto
onde
toda velocidade
retira-lhe
as pétalas.
A
poesia precisa de repetição para que a memória trabalhe e
algo fique depositado em forma de poema. Mas aqui a variação
é grande, há uma indecisão que passa por versos e poemas.
Mais conciso e visual, "Um vento lasso" antecede o último
poema do livro, que se assemelha
a "Olhai os atropelados da esquina", mais longo
nos versos, mais discursivo -"Serei apenas meu comandante
nas horas vagas". O poeta parece em busca de uma linguagem
que se esgueira ainda, difícil de precisar. Por isso nos tira
o tapete a todo momento,
nunca é bem o que estamos pensando o que vai acontecer na
próxima linha de verso, no próximo poema. Por isso caímos
no primeiro de abril.
*
Vera Lins,
ensaísta, professora de Literatura Comparada da Faculdade
de Letras da UFRJ, pesquisadora pelo CNPq junto à Casa de
Rui Barbosa, publicou Gonzaga Duque: A estratégia do franco-atirador
(1991) e Novos pierrôs, velhos saltimbancos (1998).
Leia também um
ensaio da autora sobre Duda
Machado.
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