ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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Teatro, Mito e Metáfora:

Conversas com Gerald Thomas


por Claudio Daniel

 

Zunái - Você nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu muitos anos em países como a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos. O que esse périplo trouxe a você, como conhecimento da arte, de si mesmo e do mundo?

GT - Existe algum conflito sobre onde eu nasci, desde o momento em que me foi revelado - aos 28 anos de idade - que o meu pai não era o meu pai. E que meu "verdadeiro" pai, o biológico era fulano de tal. Minha vida virou de cabeça pra baixo. Tive que rever cada momento da minha vida ate então. Fiz um rewind daqueles 28 anos, de cada beijo e abraço, de cada coisa que me foi dita, enfim... E há cerca de um ano descobri que nasci num quarto de hotel, o Gramercy Park Hotel, aqui em Nova York. Mas ainda não é a versão definitiva. Continuo botafoguense. Ter vivido nesses países todos como um, digamos, "nativo", foi duro e ao mesmo tempo muito agradável. O fato é que hoje, ao ver os fogos de artifício explodirem nesse dia da independência americana, aqui na frente do meu apartamento, em Manhattan, nesse 4 de julho, percebo que não pertenço a lugar algum. Passei 2003 em Londres, achando (ilusão pura) que estaria voltando ao lugar da minha adolescência, o lugar onde tive os meus dois primeiros casamentos e onde aprendi o que era a vida pratica. Pura mentira. Desencanto total. Na primeira oportunidade, me mandei de volta pra Nova York, ainda o único lugar que consigo chamar de "casa". Veja bem, não os EUA, mas Nova York.

Mas sou um Nowhere Man. Sempre fui tratado como tal. Nunca tive o sotaque do local, sempre tentei ao máximo ser como os outros, mas era evidente que esse judeu errante errava mesmo. Acho que as minhas peças falam, narram isso. Então, me refugiei no mundo abstrato da cultura, da pintura, do teatro, da literatura e me infiltrei, mergulhei tão fundo nisso que ninguém conseguiu mais me acompanhar. De tal forma que quando "emergi", as analogias e metáforas que eu fazia eram somente minhas, resultado de leituras muito peculiares e muito particulares. Mas assim é o artista, não é? Isolado, marginalizado e com uma assinatura que nem sempre é entendida. Graças a Deus, tive publico.


Zunái - Suas primeiras encenações teatrais foram realizadas no La MaMa Experimental Theater, em Nova York, onde você adaptou e dirigiu 12 estréias mundiais de obras de Samuel Beckett. Comente essa experiência.

GT - Não sei muito bem por quê, mas o Beckett foi com a minha cara. A biógrafa dele, a Deidre Bair, já estava me seguindo (e seguindo a correspondência entre nós - eu e Beckett) quando, um dia, eu recebi um cartão dele um pouco menos monossilábico que os outros. Aí ela falou: "Voa já pra Paris. Ele quer te ver". Naquela tarde, eu estava embarcando. O resto é história. Tocar em Beckett - fisicamente - era como se eu estivesse tocando em Joyce. Quer dizer, ter essa experiência já vale a pena ter vivido. É como ter dirigido Julian Beck, fundador do Living Theater, que só trabalhou comigo fora da sua própria companhia, a mais revolucionaria de todo o século XX, aquela que tirou o teatro do recinto teatral e levou o drama para as ruas e para as prisões etc. Julian trabalhou em cinema com Pasolini, com Coppola e com Spielberg. Sabendo que ia morrer, com câncer, ele pediu pra trabalhar comigo numa peça de Beckett. Fizemos a première americana de That Time (Aquela Vez), e, frágil do jeito estava, ele rejuvenesceu. Lotávamos o La MaMa Annex na East 4th Street e ainda fizemos uma curta turnê pela Europa até que não deu mais. Julian morreu.


Zunái - Você foi um dos maiores ilustradores do The New York Times, cargo que abandonou para dedicar-se ao teatro. O que o trabalho na imprensa trouxe para você, e o que o levou a esse afastamento?

GT - A pressão de ser o ilustrador da OpEd page do Times é enorme. E você tem que ter uma idéia "genial" diariamente. Veja bem, não é cartoon. Eram pinturas, eu fazia coisas a quatro cores que eram reproduzidas em preto e branco (half tone drop out) e eram metáforas, como aquela que ganhou um prêmio: tratava-se de um artigo que alertava a população sobre caminhões cujo conteúdo era lixo nuclear e que literalmente utilizavam estradas que margeavam as grandes cidades. Com o tamanho dos buracos dessas estradas, podia acontecer um enorme acidente, de proporções inimagináveis. Depois de passar a noite em claro, pensei na seguinte imagem: aquele cartão porta-ovo, que tem aquela divisão que parecem dois silos nucleares. E eu coloquei um único ovo lá dentro, rachado, vazando a gema...


Zunái - Como surgiu a Companhia Ópera Seca? Qual é o balanço que você faz das atividades do grupo? O que levou a sua dissolução?

GT - Meu Deus! Essa resposta precisa de 19 horas! Surgiu com o que sobrou da montagem de Carmem com Filtro 1, com o Fagundes. Ou seja, Bete Coellho, Oswaldo Barreto, Luiz Damasceno e, claro, Daniela Thomas. Aí fomos adicionando gente. No Rio, foi a Vera Holtz, a Beth Goulart, Maria Alice Vergueiro... e fizemos Elektra Com Creta logo após a estréia de Quartett, do Heiner Mueller, com Tônia Carreiro e Sergio Britto. Estourou. Ficou mais de um ano em cartaz. Eu ficava indo e vindo, do Brasil pra cá. Próxima grande produção (grande mesmo): a Trilogia Kafka, aumentando ainda mais o elenco. O Processo, Metamorfose e Praga. Aí vieram os convites internacionais. A trilogia (mais Carmem Com Filtro 2) veio pro La MaMa Annex e fez tanto sucesso que a temporada foi estendida por duas semanas em Viena. Fomos convidados pelo Wiener Festwochen, o Festival de Viena, que é o evento que te abre todas as portas pro mercado de língua alemã (virtualmente, o mercado "sério" de teatro, Alemanha, Áustria, Suíça etc). E aí, não paramos mais. A Cia de Ópera Seca, ou Dry Opera, ficou sendo a companhia de teatro brasileira que mais viajava pelo mundo.

Durou 18 anos, e foi ótimo. Mas acho que chegamos a um desgaste com a residência da Cia no Sesc Copacabana, em 2001, 2002. Tive que apresentar seis novos espetáculos e não há diabo que agüente. Então, desde o Ventriloquist, e Gabi com Esperando Beckett até Reynaldo Gianechini com Príncipe de Copacabana, tinha Nietzsche contra Wagner e Solos Secos e não sei mais o quê. Me desgastei como não sei o quê. Estava em frangalhos. E ainda presenciei a queda do World Trade Center aqui, o que acabou comigo... Na volta, tive que estrear Deus Ex Machina... e o desgaste foi enorme.

Com os "desencontros" que tive no Rio durante Tristão e Isolda, pensei: "pro inferno com o passado". Vou rebatizar a companhia na primeira oportunidade. Quando estreei Anchorpectoris aqui no La MaMa, em marco de 2004, na minha volta a NY, resolvi engajar atores novos e pegar um novo nome, ou seja, o Terceiro Trilho, The Third Rail Company. E assim será com A Circus of Kidneys and Livers, com o Nanini. Afinal, sobrevivi aos 50 anos e me vejo no direito de mudar o que eu quiser. Amanhã, acho que vou mudar o meu nome.


Zunái - Além de diretor, você também é o autor da maioria das peças que encena, como Elektra com Creta, Carmem com Filtro, a Trilogia Kafka, entre outras. Quando você escreve, já está pensando nos atores, na cenografia, na iluminação, enfim, na obra dramática como um todo?

GT - Escrevo diretamente para os "meus" atores, conhecendo as idiossincrasias deles, as suas peculiaridades etc. Dirigir não se dá no palco, mas, muitas vezes, em torno dele ou completamente fora dele. É criação de "climas". E, sim, crio com toda a cena na cabeça, cada luz ligada, cada cenário em seu lugar. É a tal Gesamtkunstwerk que o Richard Wagner falava.


Zunái - Na ópera Mattogrosso, você trabalhou em parceria com o músico Phillip Glass. Como foi esse processo de criação conjunta?

GT - Não foi só em Mattogrosso. Na Trilogia Kafka também. Em Carmem Com Filtro 2 também. Estamos trabalhando juntos em Cantebury Tales, uma ópera baseada nos contos de Chaucer. Não dá pra responder a essa pergunta. Toda parceria tem os seus segredos e as suas manias. Não existe uma máquina por traz, ou tampouco um método. Somos os melhores amigos, o Philip e eu, então, isso facilita muito as coisas. Rimos muito. Fazemos muitas piadas o tempo todo. Ele aceita todas as minhas sugestões e vice-versa. Mas o segredo de uma boa parceria não é a brincadeira entre os dois e nem o fato de fazermos piada o tempo todo. O segredo vem do profundo respeito que um tem pelo trabalho do outro. Só posso dizer que o Philip é o nosso grande compositor erudito contemporâneo, o nosso Beethoven de hoje, digamos. Muita gente não se dá conta disso. O leque de sua obra é enorme. O que já foi escrito sobre ela é gigantesco, assim como os lugares em que sua musica foi apresentada, e os músicos que a regeram ou tocaram foram simplesmente os mais importantes músicos vivos de nossa era. Eu tenho a humildade suficiente para saber que trabalho com o maior gênio da música vivo.


Zunái - Você é organizado, metódico, faz anotações e ensaios muitas vezes ou é mais intuitivo, confiando nas sensações? Comente o seu processo criativo.

GT - Minhas cenas nascem de desenhos meticulosos, cada cena é anotada, desenhada quase que obsessivamente e geometricamente e milimetricamente coreografada com luz e som. Mas, claro, no decorrer dos ensaios acontecem erros. E os erros não existem, então eu os transformo em acertos e os incorporo logo. Chamo isso de obra do acaso total. Como escrevo para aqueles atores que estão ali, nada mais natural do que eles reagirem àquilo que eu escrevi. Então, essa metalinguagem causa uma certa estranheza. Exemplo: Julian Beck estava com câncer terminal fazendo o papel de alguém morrendo. O público sabia disso e o resultado era de arrepiar. Outro exemplo: Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha na vida real. A tal cena da masturbação causou tanta confusão (até aqui, no Lincoln Center) porque as pessoas jamais puderam esquecer (e eu as lembrava disso o tempo todo) de que aquelas duas eram mãe e filha na vida REAL. E Gabi era uma entrevistadora também na peça Esperando Beckett, e Reynaldo Gianechini era um ator despreparado, assim como o príncipe dinamarquês Hamlet, é um filosofo despreparado para lidar com as armadilhas reais e cruéis da vida real do castelo de Elsinore. É essa a minha assinatura: a metalinguagem. Uma linha corre abaixo daquilo que você vê e que te soa um pouco atonal, apesar da total harmonia que sai dos alto-falantes.


Zunái - O que significou para você o contato com Haroldo de Campos? Qual é a relação que existe entre a poesia e o teatro de Gerald Thomas?

GT - Haroldo de Campos não significa somente para Gerald Thomas, mas para todo e qualquer criador em qualquer área das artes brasileiras. Sem ele, a arte brasileira não seria considerada "moderna". Seriamos algo como o Uruguai ou a Bolívia. Claro, estou exagerando. Mas quero deixar bem claro que o Haroldo não teve o tratamento em vida que merecia. Eu sinto muita, muita falta dele. Não dá nem para medir o quanto. Éramos próximos. Muito próximos. Não posso dizer como era uma delícia passar as tardes com ele, conversando, ou melhor, bombardeando conversas. Isso resultou em dois livros que ele orientou, ambos pela Perspectiva. E longos artigos que ele publicou pela Folha. E na peça Graal, que ele havia escrito em 1952 e eu encenei em 1997, com alunos da CAL mais a Bete Coelho... Não sei, são tantas as memórias que é difícil dizer. Só gostaria que outros artistas brasileiros fossem mais generosos e confessassem o quanto Haroldo de Campos foi fundamental na vida deles. Infelizmente, a mesquinharia é enorme e isso talvez não aconteça ou demore muito a acontecer.


Zunái - Você já encenou óperas como O Navio Fantasma e Tristão e Isolda. De onde vem o seu interesse pela obra de Richard Wagner? A seu ver, qual é a novidade que essa arte dramática ainda reserva para os dias de hoje?

GT - O teatro musical (como a ópera é chamada em alemão) te dá a chance, como encenador, de delirar e construir, desconstruir temas e mais temas, sem que haja o tal TEXTO, o tal diálogo dos atores que sempre remete à ação para um lugar determinado, ou seja, o didatismo e a objetividade disso, daquilo ou daquilo outro, por mais "surreal" ou "absurda" que a cena seja. Na ópera, a cena é lírica. Geralmente, não se entende o que está sendo cantado (por causa das vogais esticadas, consoantes suprimidas etc), então, o campo da ação fica inteiramente livre para que o encenador lide com o MITO em questão (o Holandês Voador ou Tristão e Isolda, no caso) e os impulsos da música, e constrói em cima desses impulsos as suas desconstruções, os seus delírios as suas leituras sobre esses mitos através dos tempos.


Zunái - Você é conhecido como um artista polêmico. Durante a encenação de Tristão e Isolda, no Rio de Janeiro, ao ser provocado por alguns dos espectadores, reagiu subindo ao palco e mostrando a bunda, o que lhe valeu um processo judicial e o seu afastamento do país. Comente o caso.

GT - Deixa o caso ter um desfecho judicial no STF que eu comento. Aliás, juro que não agüento mais falar sobre. Isso. Foram cinco segundos. O Haroldo de Campos havia morrido naquela tarde e isso havia acabado comigo... Sei lá, deixa esse caso pro STF.


Zunái - O que você espera fazer, quando retornar ao Brasil? Tem planos para novas montagens?

GT - Escrevi uma peça pro Marco Nanini, A Circus of Kidneys and Livers, ou Um Circo de Rins e Fígados, que possivelmente acontecerá mais tarde, neste ano, se eu sobreviver. Marco Nanini é, sem dúvida, o ator dos meus sonhos. Um ator completo, aquele que sabe se desconstruir no palco a ponto de conseguir confundir a platéia sobre o fato de estar ou não perdido no texto, se deu ou não branco na cabeça, se perdeu o norte. Se (des)posicionar no palco é uma das coisas mais difíceis que existem. Exemplo? Um ator, quando tem que fazer um bêbado, inevitavelmente entorta a boca, entorta o tom e começa a cambalear. Bebedeira não é nada disso. Estar bêbado é tentar mostrar ao máximo que NÃO se esta bêbado, não é isso? Os bêbados não tentam provar que ainda estão sóbrios? Mas ator raramente pensa nisso. O Nanini é muito meticuloso nesses pequenos detalhes e, ao mesmo tempo, sabe delirar com uma mera palavra.


Zunái - Diversas produções que você realizou na Europa e nos EUA foram transmitidas pela televisão, em seus respectivos países. A seu ver, no Brasil, faz falta essa parceria entre a televisão e o teatro?

GT - No Brasil faz falta muita coisa. Mas não é só no mundo das artes. O Brasil está em falta consigo mesmo. E nas péssimas condições sociais em que está, por que deveria soltar dinheiro para as artes? Essa é uma pergunta que eu me faço e é justamente por causa disso que não moro no Brasil e não mamo nas instituições que distribuem dinheiro, não faço parte das panelinhas que sobrevivem das mutretas e das ladroagens e das incríveis corrupções (o mundo teatral é uma terrível corrupção, acreditem) que acontecem aí. Nesse sentido, me sinto menos mal no Primeiro Mundo, onde a fome, a educação e a saúde já foram resolvidos e, portanto me sinto menos culpado em cobrar o que cobro para encenar algo que escrevi ou algo que algum compositor compôs.


Zunái - Você já realizou experiências com o cinema? Planeja adaptar alguma de suas peças para a telona?

GT - Há cerca de dois anos, o Dogma 95, da Dinamarca, literalmente "acampou" no meu apartamento em Williamsburg, Brooklyn e propôs um filme. Transformaram a minha vida num verdadeiro inferno durante uma semana (eles bebem 24 horas por dia) e a coisa não deu em nada. Preciso explicar. Tenho uma vida muito ativa na Dinamarca desde o inicio dos anos 90 (92 pra ser preciso), que é quando levamos Flash and Crash Days para lá pela primeira vez e a crítica de todos os jornais foi absolutamente exuberante. Alguns críticos usaram nosso espetáculo para zombar do teatro local, usando o titulo "É assim que se faz". Na platéia só tinha gente de teatro e de cinema, incluindo o Lars, e o pessoal do Dr Dante Aveny, que mais tarde, em 95 e 96 eu fui dirigir. De dois em dois anos, na década de 90, eu ia pra Copenhague me apresentar e fazer debates. O cinema me interessa e ao mesmo tempo não me interessa nem um pouco. Digo, o processo industrial envolvido. Mas nunca se diz não, não é? Em Elektra Com Creta (96), Sérgio Augusto, na crítica que fez para a Folha de S. Paulo, escreveu que eu fazia cinema no palco e urrava: "dêem uma câmera pr'esse homem, urgente!" Acho que o que diferencia o meu teatro do dos outros é que - até hoje - continuo fazendo cinema no palco.


Zunái - Você se considera um artista inovador? Como encara a série de mutações (e permutações) da história da arte? O artista é um inventor ou reinventor da roda?

GT - Não cabe a mim dizer isso. Cabe à História. Conheço bem a História. Sou praticamente formado nela, pela Biblioteca do Museu Britânico. Sei dos seus ciclos, sei das suas injustiças, sei das suas frivolidades e crueldades, enfim. O "meu" inventor da roda é Marcel Duchamp, que colocou a roda de bicicleta em cima de um banco, tornando-a redundante. E, em plena era industrial, os ready-mades vieram pra sacanear a praticidade das coisas. Esse foi um dos statements mais fortes da arte ou da anti-arte, como queira.


Zunái - Morte das vanguardas, fim da história: para você, estes são slogans ideológicos, ou realmente nada mais existe para ser dito?

GT - Nada disso tem mais significado algum. Pode berrar o que quiser. Nada morre e nada nasce. Esta tudo aí nas vitrines. Tudo é decorativo.


Zunái - Como você vê a nova situação de poder no mundo de hoje, e em especial a política desenvolvida por George W. Bush e Tony Blair?

GT - Existe gente melhor do que eu para falar sobre isso. Por isso o livro de Bob Woordward, Plan of Attack, ou o filme brilhante de Michael Moore, Farenheit 911, estão aí. Bush - para começar - "roubou" as eleições na Flórida, então não era nem para ter sido presidente. A conexão da família Bush (o pai e filho) com a família saudita Bin Laden vem de décadas. Não havia nenhuma conexão entre Saddam Hussein e Bin Laden e tampouco Saddam tinha os tais weapons of mass destruction e tanto a CIA e o FBI quanto a NSA sabiam disso. Por isso que George Tenet, da CIA (há um mês) renunciou - dizendo que precisava passar mais tempo com a família. A 911 Commission foi um escândalo. O Senado descobriu o quanto Bush-Cheney mentiram para o publico americano, ignorando qualquer tratado internacional, ou qualquer escrúpulo, a pretexto de invadir o Iraque. PETRÓLEO e bastante dano de estrutura causado pelos bombardeios, para que a Halliburton - firma enorme de construção da qual Cheney foi CEO durante 5 anos - pudesse entrar e lucrar com a tal da "reconstrução" do Iraque. Removeram Saddam, mas, com isso, abriram milhões de tocas de fundamentalistas; aquilo ali vai feder e até agora já morreram quase 900 soldados americanos. Bush é inescrupuloso, burro, guloso, ignorante. Mas vai pagar caro por isso. E Blair, como cúmplice (e às vezes, até como mastermind) vai se sair bem na História, por ser articulado, bem-educado e nunca ter sido aquele a ter tomado a iniciativa. Mas tanto os EUA como a Grã Bretanha (os dois países entre os quais eu me movo) são alvos permanentes graças a esses dois imbecis.


Zunái - Vivemos num conto de Kafka, numa peça de Beckett ou numa fábula das Mil e Uma Noites, em tradução ruim?

GT - Seria injusto colar o mundo de hoje a autores que conseguiram transformar a realidade em metáfora de uma forma tão brilhante. Não vivemos nenhuma metáfora e sim uma horrenda realidade. Eu diria que vivemos algo mais parecido com Orwell ou Huxley.


Zunái - Qual é o sentido de fazer arte hoje, numa era regida pelo mercado, pela moda e pela mídia?

GT - Me pergunto isso todos os dias, e todos os dias a resposta mais honesta que a minha consciência consegue me dar é que a arte hoje não vale a pena. Por isso é que a mídia virou a merda que virou. Os interesses estão nas fofocas, na moda, nas coisas de superfície. A tese de Andy Warhol venceu e quem conseguir ficar famoso por 15 minutos conquistou o seu lugar. Os reality shows são uma vergonha, mas voltamos à época romana dos Coliseus. Me preocupa aonde isso vai dar na escalada da evolução. Daqui a pouco não me resta muita dúvida de que estarão matando pessoas ao vivo na televisão, para que cresça o Ibope. E isso não deixa de ser a arte do nosso tempo.


Zunái - Acredita em alguma utopia, pessoal ou coletiva?

GT - Acho que você terá que me fazer essa pergunta quando sairmos do buraco negro. Ainda estamos em plena virada de século e de milênio. Se você consultar a História, as outras viradas não foram diferentes para as vanguardas. O mundo está sangrento, grande parte do mundo está com fome, doente, e os milionários estão aí, nos Hamptons, em Beverly Hills e no Morumbi com seus enormes automóveis e iates, vestindo griffes de vomitar. Enquanto isso, estamos numa guerra que não existe, a pretexto de encontrar terroristas que talvez sejam simplesmente invenção ou um master plan desse mesmo Bush-Laden que quer beber petróleo e ganhar seus bilhões. Utopia Avenue é uma avenida em Queens e está bem detonada.

LOVE,

Gerald


Veja também fotos das peças de Gerald Thomas, leia um poema dedicado a ele, e conheça a cronologia de seu trabalho em Repertório.

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