ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

GALERIA

THEREZA SALAZAR

HIRTA EM ÊXTASE

 

Carlos Figueiredo

 

Acaso estamos mortos e só aparentamos

estar vivos nós gregos caídos em desgraça

que imaginamos a vida semelhante a um sonho

ou estamos vivos e foi a vida que morreu?

 

Paladas de Alexandria

 

 

Labareda em minha carne. A ponta da língua descendo em três saltos, pelo céu da boca, para tropeçar, no terceiro, contra os lábios. Ma Ni Nhá.

 

Porque saí do vermelho e do dourado (por que essas cores de teus caleidoscópios me deixam mais lúcido?) e vim parar aqui? Eu vivia aí, antes. Entre vaginas prenhes do mundo. Entre sangue e luz. Eu me lembro muito bem do dia em que ejaculei fótons.

 

Sobre os meus longos cabelos de 1970 o teu noturno azul solar.

 

A alma percutida, a golpes de crina acesa — o teu pincel — , o cristal do olhar felino e, a vincos de ouro, a vida.

Ah, Maninha...Ô! J’ai lieu de louer! Mon front sous dês mains jaunes, / mon front, te souvient-il dês nocturnes sueurs? / Du minuit vain de fièvre et d’un gout de citerne? / et des fleurs d’aube bleue à danser sur les criques / du matin et de l’heure midi plus sonore qu’un moustique, / et de fleches lancées par la mer de couleurs…?

 

É isso que teus Caleidoscópios me dizem.

 

Ah! Por que tudo isso não está mais à minha frente? Por que saí dos teus quadros, do vermelho entredourado sob o noturno azul solar?

 

Ah! Quando eu vivia no espaço da refração da tinta, aquela época goliarda.

 

Eu queria estar lá, ainda. Em meio a essas tuas cores, entre esses corpos esmagados de prazer, ah! Eu queria!

 

For I have known them all already, know them all.

 

Teus quadros se parecem com a vida que eu e alguns de nós viviam.

 

Fábula generosa, távola de abundância, aquela vida, neste futuro de sombrio escárnio, existe — E cego os céus perdidos — quase apenas na forma em que registras.

 

....................................................................................................

Sobreviverá como uma ponte, os traços dessa crina acesa bakkeussin.

 

Como não se transportar vendo esses corpos de luz, essas expressões de um estranho êxtase?

 

Foi essa a sedução que me transportou.

 

Ah! O gozo de quando eu vivia em teus quadros

e havia ao fundo um estranho ruído de festas

e nossos olhares talhavam o ar!

 

Ah! Cabe-me! Ah! Cabe-me louvar!      

....................................................................................................

Eu me lembro quando eu vivia neles. Quando viajava pela Índia, pelo Afeganistão, pela Turquia.

Quando eu atravessava o Passo Khyber

E dançava nu na noite de Goa

Aí, eu estava dentro de teu quadro

E a lua se erguia vermelha

contra esse teu azul escuro

estamos ainda dançando em volta

o cristal do olhar felino

à espreita

Carlos Figueiredo é poeta, autor de Estranha Desordem e Goliardos, entre outros títulos.

....................................................................................................

 

Todas as citações estão em itálico.

Epígrafe: Paladas de Alexandria. Tradução do grego por José Paulo Paes.

1º. Parágrafo: Nabokov (Lolita). Tradução do inglês por Jório Dauster.

5º. Parágrafo: Saint-John Perse (Pour Fêter une Enfance).Tradução do francês por Bruno de Palma.

 

“... Oh! Cabe-me louvar!

Minha fronte sob mãos amarelas,

Minha fronte, lembras-te dos noturnos suores

da meia-noite vã de febre e dum gosto de cisterna?

E das flores lançadas pelo mar de cores...?”

 

10º. Parágrafo: T.S. Eliot. Tradução do inglês por Carlos Figueiredo:

 

“Porque eu já conheço eles todos, conheço todos.”

 

12º. Parágrafo: Fernando Pessoa.

 

13º. Parágrafo: Diálogo de Io com Sócrates. Tradução do grego por Carlos Figueiredo.

 

“em um transporte báquico.”

 

18º. Parágrafo: Saint-John Perse: tradução do francês por Bruno de Palma.

*

Leia a apresentação, e veja as telas

*

 

retornar <<<

- ZUNÁI- 2003 - 2004