MARCELI ANDRESA BECKER
BOCAS ATROPELAM FALAS
bocas atro / pelam falas: / teu beijo / de língua aci / dentada
NESTE ROSTO SINGULAR HABITAM PONTAS OBLÍQUAS
I
Neste rosto singular
habitam pontas oblíquas: cacos
de vidro, notas agudas, felpas fincadas.
Cacos agudos, felpas de notas, vidros fincados.
II
Por qual buraco este rosto
contínuo está sendo pregado
na curva pra além de onde entendo? Sinaliza
que me fará sagrar em breve, que dará um grito
na morte que trago no corpo. Aos poucos começo
a dizê-lo que quero estar surda – e ele me tampa os ouvidos com ouro.
Aos poucos lhe peço que me apague a língua – e ele me entrega
no fundo da boca uma noite.
(e ele me entrega, é verdade,
no fundo da noite uma boca).
III
“Doa pra mim se te falta”, ele diz, e começo a não
caber no quarto. “Coloca em mim o teu fim”, ele diz, e assim
me começa uma vida.
A ILHA
olho, ilha pra escalar,
calado,
lado pra se ver do outro.
[era uma tarde, lembro,
em que ficamos à deriva de nós dois –
breve emudecer de musgo, lento
se afogar de fogo]
SEM TÍTULO
ESSE cheiro
de diabo vem de baixo: com que pernas
ele sobe até aqui
para desembalar os ossos que fechei a vácuo?
*
É do porão que posso ouvi-las. Doem
como se o coração batesse
inversamente, como se
no anti-horário a sua torneira de sangue girasse.
*
Anjos caídos se tocam.
FAZ INVERNO ONDE O MEU NOME DEITA
Faz inverno onde o meu nome deita. Prestes
a dizê-lo, escurece a língua.
Tudo se apaga antes que eu chegue em casa.
*
De olhos fechados, ele parece dormir. Mas há tanto tempo?
(Esse silêncio de nada ou ninguém contra a porta me mata.)
Deve estar morto.
*
O próprio nome é algo em que se deve tocar
com luvas nas mãos, como se fosse fogo, algo
que se deve conduzir de costas, como se Eurídice fosse.
*
Porque uma vez descoberta
essa casa ao longe começará a doer-te: vivê-la,
sempre tão tarde.
OUTRA NOITE NOS BASTIDORES
Outra noite nos bastidores.
Vejo tendões sob o jeans. Insuportável
o tanto que esticam – quatro em teus braços e pernas
te puxam, cabo-de-guerra
de ti.
Longe eu lamento o teu sexo. Grito tudo o que dói
por ser tarde
em teu rosto, essa casa que perderás de vista
em questão de dias. “Meu nome é ninguém”, aposte,
“ele dirá”,
porque estilhaços do espelho que eu era te ferem. Teu
olho é que sangra, por isso não vês.
Eu vejo.
SEM TÍTULO
o que não mais
aparece
e se parece tanto
com –
ninguém
frente ao espelho
da tua morte,
mas o espelho
SEM TÍTULO
um poema,
espelho d'água,
na palavra guarda
imagem
do que à margem
a palavra aguarda.
*
Marceli Andresa Becker é poeta e estudante de Filosofia.
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