Frederico
Barbosa
Referências
cinematográficas
no livro Rarefato (1990)
Rarefato
Outra trilogia do tédio
1984
I
Nenhuma voz humana aqui
se pronuncia
chove
um fantasma anárquico, demolidor
amplo
nada no vazio deste deserto
anuncia-se como ausência, carne
em unha
odor silencioso no vento escarpa
corte
de um espectro pousando na água
tudo
que escoa em silêncio em tempo ecoa
II
Sentia
o término correndo nas veias.
Há
pressa: via.
Houve
um momento grave.
(O
filme era ruim. O cinema, lotado.
Na
luz neblina, escondido, um cigarro.)
Impossível
escapar ao pânico,
prever
o vazio provável.
De
repente: o estalo.
Terminal,
a consciência
do zero rondando.
Estado,
condição, estado.
Abre:
III
Dominado
pela pedra, insone,
descolorido,
o crime principia
nas
altas horas de noite vazia
ganha
corpo no decorrer do dia.
Ganha
corpo no decorrer do dia,
dominado
pela pedra insone
dor
de náusea delicada e infame,
das
altas horas da noite vazia.
Dor
de náusea delicada, infame,
nas
altas horas na noite vazia
ganha
corpo no decorrer, no dia
dominada
pela pedra, insone.
Ganha
corpo no decorrer do dia,
dor
de naúsea delicada e infame
descolorido,
o crime principia
alia-se
ao tédio impune e some
Effort
F For Fake
1981
não
sendo muitos, eu
não
vejo possibilidade de
escape.
nego.
possibilidade de
escape.
não
sendo muitos, eu
nego.
não
vejo
possibilidade de
não
sendo muitos, eu
escape.
não
vejo
nego.
Paralelo
enzimático 46' 40"
nove
movimentos pelas ruas de São Paulo
1983
II
noite
clara visão subterrânea
penetrantemente
longo suor
os
lábios
lambem
os
beijos
balas e pavor
subvertente
corrente paralela
corrida
veloz (ruas)
cidade
rebelde
acabar
sim
como
camus e james dean
IV
quase
manhã de dia a dentro
reinventando
nada
entre
memória e lenda
respirando
rente ao chão
pó
por entre todos os poros
o mau
humor deste mundo todo
sujo
e lento
fumando
bogart
e godard
entrelaçado
invento
paciência
de espera lenta
cético
opor
nada
entre
um e outro tempo
VI
mundo
inundado de
filme
negro fumaça morcego no ar
antena
de rápido radar
anda
por
ecos ondas e nós
Lascaux
1986
no
cinema de Lascaux
(imagem
sobre imagem)
cortes:
séculos
de Klee
recortes
de cores
nos
desenhos do Kane
na
voz bellae
(Billie
& Ella)
nas
suas pernas cruzadas
em
frente à tv
mágico
quase acaso
colorindo
(como
que sem querer)
a caverna
escura
em
que a gente se vê
Signos
em rotação
1981
o feto
poético pré-existe
-
embrião embriagado -
um
universo um
útero
mãe terra
estranha
estrela acontece
-
cadente -
furando
ventre
germinando
signos
Blow
Up
de
um manual de química
1979
expor a
clor
que
restou
ao ar
refratário
e
esvazia-se
hidratado
pulveriz
sublimado
branco
O
ano passado na São Silvestre
1986
os
passos largos
já
um tanto lentos
na
avenida paulista
traduziam
em movimento
a agonia
final da reta
finda
círculo
sutil fechando
um
ciclo
vento
varrendo fermento.
Frederico Barbosa,
poeta, crítico e professor de literatura, nasceu em Recife
(PE), em 1961. Publicou cinco livros de poesia, Rarefato
(1990), Nada Feito Nada (1993), Contracorrente
(2000), Louco no Oco sem Beiras (2001) e Cantar
de Amor Entre Escombros (2002). Organizou, em parceria
com Claudio Daniel, a antologia Na Virada do Século, Poesia
de Invenção no Brasil (2002). É diretor da Casa das Rosas,
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
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do autor e uma entrevista.
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