JOĆO RASTEIRO
Da minha aldeia vejo quanto
da terra se pode ver no Universo...
Alberto Caeiro
Regressa, aldeia!
Os sonhos afastam-se,
os seus devaneios.
A velha aldeia…
O ruído do arrojo
da ave no amieiro.
Cada aldeia tremeu.
Pois era a criação
das vozes ressurgindo.
Abri a passagem:
A terra chegou-me
até à garganta.
Agora, em silêncio,
espreito bem esta aldeia
que eu reinvento.
(Do livro O Búzio de Istambul)
AVENTINO
1.
Tudo é divino e trágico,
saboreia-se o seu verbo
o leito do delírio, a sílaba.
2.
As bocas alastram a noite,
na minúcia do fogo – tudo
será a profecia, a Alba Longa.
3.
Pois não há ecos absolutos:
total é a alegria dos crentes
com seus corações adestrados.
4.
Tudo sobrevém dos olhos
que dilaceram no centro.
O infindo sopro da lavra.
5.
Sinto como a estrita cegueira
invoca o mais recôndito lugar
para que nada solidifique o medo…
6.
É possível cogitar a mariposa,
pelas crias não há compaixão
porque da água ferve o sangue.
7.
Como decifrar a ira do clarão
se é do eixo da luz que cego
e da soldadura que agora rezo?
(Do livro A Divina Pestilência)
*
João Manuel Vilela Rasteiro (Ameal-Coimbra, 1965), Poeta e ensaísta, é membro da Associação Portuguesa de Escritores e do conselho de redação da revista Oficina de Poesia, delegado em Portugal da revista italiana Il Convivio e colaborador da revista colombiana Arquitrave. Tem poemas publicados em várias revistas e antologias em Portugal, Brasil, Colômbia, Itália e Espanha. Publicou, entre 2001 e 2005, os livros de poesia A Respiração das Vértebras, No Centro do Arco e Os Cílios Maternos. No âmbito de Estudos Superiores na Área de Literaturas Modernas (Variantes de Estudos Portugueses e Estudos Portugueses-Italianos), efectuou estudos de Poética e Escrita Criativa, História e Estética do Teatro, História e Estética do Cinema, História da Cultura Clássica, Poética e Retórica, Literaturas Africanas etc. E-mail: jjrasteir@sapo.pt.
Leia também poemas de João Rasteiro.
|