ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ABREU PAXE

 

MUNA ULUNGA DA BREVÍSSIMA EXISTÊNCIA


sinto em mim oposto ao medo
- lá para dentro minha pedra (brevíssima existência) -,
o viver silenciado
como se desta vez a existência
abrisse a alma que o guia muna ulunga
a calma mas próxima função
conduz-me anunciando a sedução
a noite ganha razão
como ferida a glória no duro labirinto
muito perto do sofrer
morre em mim oposto a amargura
a doçura da vida espumas de luz lá para diante:
o fracasso, a desonra. que importa a vitória
talvez sobre os dias porque alguém me esmaga a cidade
pó só pó sobre os ombros da morte o vazio
efectivamente intervalo de noites a brevíssima,
inacreditável existência (a pedra) já nada seduz

 

 

DE CERTO MODO OS DESTROÇOS PALAVRAS


de igual modo as partículas invariáveis traços lábias
sempre há uma mulher no mal
por isso trepo meu olhar pelas paredes e pelo tecto
o último cruzar de pernas
zona prestigiada o eixo compreendia o acento de intensidade
junto todos os sentidos no modo algum tempo exacto
sem esquecer na via erudita expressão
o étimo uma mesa com o portal aberto
outro reino de certeza
a comunicação oficial adoptou o berço língua lençol
tanto tempo sonorizado
estava inscrito nas fronteiras este período
das alíneas funções sintácticas
diferenças dos pares vocabulares
nascem outras partículas variáveis destroços  

 

 

MÚSCULO A POESIA SEGUINTE

na sala branca constelação aquém o amor jasmim
das portas esse galho sábado da rocha
os alicerces da canela secam teu gosto
silêncio a mesa gráfica
o semba vai a bordo nestes dias seu lugar

o aniversário couple noir
alguma vidraça na gargalhada sem palavras
nos acessos os degraus nascem ao meio-dia dum domingo
com leis da sintaxe no norte dos anos
a face dum corpo fecha as janelas
contra as horas invisível passeio pelo passeio
partirá longe o pêlo sílaba dum deserto quando repouso jamais
as ruas do exílio
transformam o século sem músculo em poesia seguinte

   

 

AGORA SEM FARO CALÍGRAFO

com a superfície em posição estrutural
configura-se inesperada montanha um gesto
espontâneo também o silêncio pintando folha no norte da língua
pálpebras previstas em casa chegam a seus pés
o milho que fosse caverna acesa
há uma mesma tarde na boca
os caroços olhos cristalinos permeiam constelações
na própria boca que rumo?
haverá um metálico lado do antigo depoimento
faz a presença a escultura
entra de alguma forma o triângulo de casa  

 

 

NO MATERIAL O ANDOR DAS PAREDES

todos os dias estas velas traziam alegóricas cidades. 
mesma surpresa confidente pé
o céu todo dia sentado.
na terra o material das paredes empurra deitado
o meio-dia vestido inesquecível encantamento.
os olhos adiante lúcia na irrigação hoje primeiro dia
eram falas no sétimo mês inquieto discurso dentro dele
o céu todo dia de pé.
a terra material das paredes declarativos os espelhos
vidro fundo o sinal próximo acinzentado andor
este lugar se nada ocupa só dissolve
o possível sorriso na imutabilidade do tempo  

 

 

A BOCA CERCO TROPICAL

palavras ao meu lado aproximados tambores
a forma marcas dum corpo
solitária mão sobre a alma da mesa
nocturna a noite labiríntico dia de mariposas
permanente o jardim terreno desértico as palavras
dizem enumeram permanecem abertas
nas horas um bordel tampouco corpo
amanhecem os anos nas persianas casa a oficina dos espaços
êmbolos mais tarde praça pública alegre conflito
a abobada da boca cerco tropical a catedral dos sentidos

 

O TEU PÉ NA MÃO DA BOCA

o teu pé simples gestos aonde te lava
a tua mão volumosa cegueira o que segura
a tua boca molha o que diz dos símbolos
em presença funcional descobre que as camisas
são objectos hospitalizados
rumos e vidraça
saem mais certamente do ilíaco e orientam marinho trabalhar
os astronautas como membros penetram-lhe o corpo
transparente rosto descalçado nos logaritmos degraus
as roupas marfim invisível na consciência longa
dos olhos o instrumento do diálogo
dáctila as substâncias islâmicas
portes o corpo das sombras máquinas
desérticas a armadura de teus olhos duras lembranças  

 

 

O LIMÃO FRUTO DO MÊS

no tópico a penumbra limita o céu
a deus a mesma paragem
passa em liberdade suave textura
a mulher tarde horizontal
de estrutura espessa o género substantiva camada
passa a boca espalhada pelo corpo
guarda todos os traços femininos empurram o limão
permanecem no caminho de frias letras
decifrada a edição é toda ampla pluma
os determinadores pernas no planeta as sedas
deixam de lado os factos contextuais
as luzes estendem-se até a nudez
a existência tão longa produção constrói estrelas
outro corpo
as trevas janelas inquilinos selando juros

 

LONGA HORA OS OLHOS PAI OU MÃE

a morte explícito sujeito sentado no eixo
aberta zona meridional
abraço funda cegueira ao cantar o angulo solar
deposito as guelras do tempo frutos os soldados da rotação
talvez versos as ruas
abrindo o metal uma cidade o passado
de cada respirar geometrias ou idiomas (...) um telefonema
opera o golpe
vogais na redução sublimada esteira o tema seus dedos
hoje os lugares pronunciadas formas pronominais
os próprios olhares
abrem a passagem dos traços labiais longas horas
floresce na zona centretional
com imediatos acentos no sul da vida

 

 

A GARÇA ESTÓRIA FISCAL DOS ESTADOS UNIDOS

cheira a glândula o sotaque de nuvens
por razão leitos de ontem
estreito sol a última rua da alma
pés na boca o repouso oco farol
istos jejuns
encharcado e puro quilo
a poça mesmo pano adensa-se
o esqueleto em cascata infixa os estados unidos
outra toalha mineral
apurava perfumes o tempo
carregava sozinho nossos corpos
na derivação ou composição suados e sujos
infinitos e esgazelados ora eufónicos
elegíveis duros rascunhos
dobram os sentidos do horizonte
aquilos na alma ficam os tentáculos envelheciam  

 

 

O IMPERFEITO DO CONJUNTIVO

COMO SE OS IMPÉRIOS SE DOBRASSEM

há talvez uma por quase janela
atravessada ênclise no entanto perdida parede
o cão acorrentado na transcrição seguinte
ou melhor a miséria em cada bassorá sobre o papel
corre denso quase até a grossura
certamente a vassalagem margens mais baixas
no paladar crude olho as monarquias
o que mais me perturba
porque não são quaisquer decibéis
só espiga no rosto dessa gente
dada sombra a luz suspende-se em terra firme
quisesse reduzida fronteira
sobre a mesa bagdade ao jantar
mar exuberante rosa
perdura o imperfeito do conjuntivo ainda
como se os impérios se dobrassem
satisfeita a sede já trazem vísceras a mais nesta janela  

 


*

Abreu Castelo Vieira dos Paxe nasceu em 1969 no vale do Loge, município do Bembe (Angola). Licenciou-se no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), em Luanda, na especialidade de Língua Portuguesa. É docente de Literatura Angolana nesta mesma instituição e membro da União dos Escritores Angolanos (UEA), onde é secretário para as atividades culturais. É técnico de comércio externo pela escola de comércio. Publicou A chave no repouso da porta (2003), que venceu o Prêmio Literário António Jacinto. No Brasil, foi publicado nas revistas Dimensão (MG), Et Cetera (PR) e Comunità Italiana (RJ), e em Portugal, na antologia Os Rumos do Vento, (Câmara Municipal de Fundão).

 

 

Leia também um ensaio sobre o poeta, escrito por Claudio Daniel, e uma
entrevista com o autor.

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