ADRIANA VERSIANI
SONATA, APLAUSO, SUSPIRO
I - TREZE CANÇÕES DE AMOR E MORTE PARA ALEJANDRA PIZARNIK
A gaiola virou pássaro, enfaixei suas mãos e coloquei sobre elas pesadas pedras.
Amordacei-as, para que você não sinta dor.
Seus dedos tocam a chuva.
A jaula virou muro, quebraram-se as xícaras e tenho um milhão de cacos nos olhos.
Ceguei-os, para que você não sinta dor.
Chove e meus dedos tocam os seus.
Que a morte seja doce e nos vista de seda.
*
Crisálida pendurada no lustre da sala.
A luz de mercúrio não explica.
Noite adentro, asas dançam aos poucos
e vejo soar um ruflar imóvel.
*
Seu nome chão,
pai e pó.
Mãe,
seu nome.
Você chama.
Arde em mim Alejandra.
Alejandra,
Você,
Seu nome.
*
Um anjo sangra na sacada e ela,
ferida,
mergulha para dentro do sono.
Panos para sempre no varal da infância.
*
A ave sobre o banco do jardim
onde nos tocávamos.
Havia febre.
Sua ausência é essa chuva que me acompanha.
*
Ajoelhei-me para desamarrar as botas e percebi gotas de sangue no cadarço.
Chamei por seu nome Alejandra,
enquanto procurava por vestígios nas frestas dos tacos.
*
Vidro líquido na retina
Corpo coberto de espelhos
Fogo Fátuo,
Hálito que perfuma meus pés.
*
O corpo lançado ao mar foi feito em pedaços por peixes famintos.
Nunca atraiu as românticas ostras,
que permaneceram fechadas sobre suas pérolas.
*
Um animal invade a noite trágica.
Com cólera de fera e sangue nos olhos,
rompe a margem do espelho.
*
Acabou o banquete dos mortos.
Na areia do deserto escrevo seu nome.
Alejandra,
Água viva
Sol aceso no céu da boca.
*
Punhos cerrados.
Escorre entre os dedos uma alma delicada de mulher.
*
Tenho medo de não saber nomear o que não existe.
Ela não existe.
*
Vem lua,
Vem sol e eu
jamais estive aqui nessa fogueira imprecisa.
Alejandra,
meu amor ,
me diga:
II – DE MÃOS DADAS COM MINHA IRMÃ NA MATA DAS BORBOLETAS
Espelho de ônix, meu avesso,
Reflexo do jardim da morte
onde adormeço.
Aqui, diante dos seus ossos,
reconheço-me possuída pela palavra.
Diante dessa pedra, seus cílios,
vejo olhos que piscam nas sombras.
Espelho de ônix, jardim espesso,
Reflexo do avesso da morte
Onde amanheço.
Lanternas vermelhas
escorrem do pulso,
queimam nas veias.
Estão acesas como a brasa de um pulmão.
Espelho do jardim de ônix meu endereço,
Manhã do escuro da morte
Onde me esqueço.
Vesti o colar de pedra e tateei seu fêmur.
Querubins desposaram o poema.
III – MÊNSTRUO NO LENÇOL DE LINHO
Com uma lasca abro as veias do pulso e um rio escorre e a lasca é pedra, seixo,
cascalho do rio.
longe um som de guizos entorpece o leito vermelho e acompanha a trilha que é pedra, lasca, corrente do rio.
Com os olhos fechados vejo luzes douradas no céu escuro que agora azul,é pedra,seixo, lasca no pulso aberto do rio.
IV - UM PAS DE DEUX SOBRE A LÂMINA DE CRISTAL DO PORTA-JÓIAS
Nem deu para sentir
Foi como uma leve fisgada
Morrer é deixar de existir
*
Adriana Versiani dos Anjos nasceu em Ouro Preto (MG), em 1963. Tem quatro livros de poemas publicados, entre eles A física dos Beatles (2005) e Conto dos dias (2007) e o virtual Explicação do fato (2008, em Germina). Integrou o Grupo Dazibao de Divinópolis/Belo Horizonte. Foi co-organizadora da Coleção Poesia Orbital e do Jornal Inferno. É editora do Jornal DEZFACES. Faz parte do conselho editorial da Revista de Literatura Ato. Lançará em agosto de 2009 o “livro de papel”.
Leia também outros poemas e as Transalucinações da autora. |