ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ANDRÉA CATRÓPA

 

 

 

 

 

palavras (i)

 

aguardando que a prática

socialmente estimulada as torne

protagonistas de um desejo, comunhão

de corpos

                                     ausentes: olhos

sussurrando boca batendo frenética a mão

 

 

 

palavras (ii)

 

bomba de efeito moral, veneno inócuo

vingança singela

de cada coisa

provisória

exaustivamente

reencarnada

com o nome      eu

 

 

 

palavras (iii)

 

                            à custa das obras

citadas

a pilha

de livros encobre orelhas

de burro, permite que confortavelmente

alguém se sente sobre o próprio

rabo

 

 

 

as relações vicárias

 

I

através do espelho

fala só para mim

essa boca

seu sotaque

pretérito

esperou

este ouvido

para ser

quase

obsceno

de tão

explícito

 

 

II

 

suas notas,

seus trapos,

e noites insones

são agora

motivo de discórdia

entre os leitores groupies

você está na moda

e seu esqueleto

não goza

do abandono

que em vida

você cavou

 

III

 

notas para

o subterrâneo -

saiba que agora

você é precursor

de muitas coisas

com que jamais

sonhou: o assassinato

do sujeito, os labirintos

virtuais e até, isto

não é uma ofensa,

a inteligência

artificial.

 

 

IV

 

amanhã

haverá um simpósio

em sua homenagem,

um homenzinho

de crânio enorme e

pescoço largo,

de feitio tímido,

só se inflama

ao falar de sua obra.

os passeios, os bulevares

de sua infância lhe são

familiares.

apesar de agnóstico,

dizem as más línguas,

já esteve em uma sessão

espírita para tentar

lhe falar

em caráter

extraordinário.

 

 

 

vacuumvoidpoem

 

você reconhece aqui

a algazarra de silêncios,

as palavras brancas

cruzadas

que nunca deveríamos usar?

nossa gramática inversa -

 metros mancos,

 rimas encardidas,

  sampler de ritmos

o vocabulário

que nos trai

 

quanta displicência

séria

quando o assunto é

sermos contemporâneos

 

 

 

notícia desentranhada de um poema contemporâneo

 

ressuscitada após o afogamento em uma banheira

ocorrido no exato minuto em que regurgitava

três comprimidos ingeridos na tentativa de suicídio

empreendida quando pensava que ia morrer de tédio,

a célebre poeta formulou

lacônico depoimento

sobrevivo

lírica

inexistente

 

 

artesanato da crítica

 

tricotando teses,

penélope em sua janela,

paciência zero

mas sem o prazer do confronto

com um mundo que se desfaz

enovela com desvelo

a ira

e a ruína alheia,

requentada,

é a melhor resposta

 

 

 

 

*

Andréa Catrópa nasceu em 1974 na cidade de São Paulo (SP). É doutoranda em Teoria Literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Foi co-editora da revista literária Metamorfose e do jornal O Casulo. Organizou, junto com Fábio Aristimunho, a Antologia Vacamarela – 17 poetas brasileiros do XXI. Publicou o livro de poesia Mergulho às avessas (2008) e coordenou a série de programas de rádio Ondas literárias (http://ondasliterarias.blogspot.com). Participou do II Simpoesia, em 2009, e integra a Antologia de poesia brasileira do início do terceiro milénio (2008).

 

Leiam também outros poemas da autora.

*

 

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