«os poemas hão-de permanecer fechados após todas as desocultações e hão-de ser abertos para quem neles entre como numa casa oferecida» (Herberto Helder)
* alraune
simulando um ritual de inseminação artificial, deposita com letra areia, versos enforcados no livro mandala. o dedo fálico do vento semeará sua beatidude de shiva dançarino sobre as linhas.
pai,
não preciso mais de ti. tua voz bíblica é abafada pelos jogos de hecatombe, nesta metrópole com torres de maisena, onde o mais rápido dos corpos planetários é apenas um cisne opaco, com seu balé sacrificado pela sinfonia das bigornas. nascem múltiplas e ruidosas vênus ginóides na sopa plástica que reveste teu oceano antiquário. não há mais acústica de prece no coalho das manhãs, só eminências pardas de terremotos despertadores. teu verbo se amplifica na carne dos auto-falantes. e na maioria das horas, trata das profecias de nostradamus, teu filho lunático. o outro? disse que voltaria, mas até agora, nada.
* água rasa
plongée:
a cesta de frutas
sua digestão de cera na colméia do zoom
poderia pintar
azul da prússia e amarelo sião,
os frutos alinhados:
soldadinhos de chumbo entre budas de bamiyan
poliglota,
não sabia
o pincel batizaria a moldura de uma ceia santa,
doze signos em comunhão
cromática
eremita,
não sabia
com a face contorcida de visões
rasgava o linho cru
da mordaça sobre os dentes
e sigilava o alvoroço de uma outra horta
criando raiz
letra sobre letra
uma árvore nova
edificada sobre a renda branca
e seu vinho farto de luz
uma árvore de rosas gigantes
abocanhadas de nuvens
suas imensas gargantas
desdenhando a fome no umbigo
acrílico
do mundo
uma árvore estilhaçada
diria, sem pincéis.
* a copista de fósseis imaginários
moira cataléptica, zigoto de vestal
apenas desmagnetiza o espírito
da página
quando a parafina expira
a auto-combustão
do despertador
a fogueira de savanarola
no bom dia mundial
fecha o ecrã
e segue muezzin a ordem de abraxás
cerra as cortinas
sonâmbulas
o corpo cripta
exausto de caligrafias
não a deixa
* encarnada pietà
sou o corcunda de teus megatons
meu vulto atrofiado pela acústica de 11
estopins
curva é minha coluna
nos braços armados da matéria escura
ah vigília dos ciclopes
ah coragem dos abissais
ah dimensões
se elevasse sobre 11
minha artilharia
(endiabrada sístole)
seria um mártir
simetricamente orquestrado
na guernica
de tuas têmporas acuadas?
* pantagruel
cismo do decaído
não te canses do ofício
de salgar a minha boca criptogâmiga
que meu cordão umbilical só se rompa
no salitre de uma viajem espacial
quando o sal for imerso
na solução de uma tarde fecundada
de tarefas concluídas
quando o fermento me encher o bolso
para apenas um trago
revigorante
anestésico
apaziguador
nesta densidade
infinita de singularidades
* ötzi
dize-me
faca
cirúrgica superfície
de ônix & ferida
com punhos de benjoim
no abdômen escuro
digo-te
anzol
ferrão de apis
na profundeza
dos humores
choro. saliva, gozo
medúlico
selvagem
sorrimos
foice
flecha
fúnebre
dramatizam
setas de saint sebastian
eis o gume de nossa
gravura
exposta
em precisa punção
no pulso
do meridiano
congelado
57 tatuagens azuis
na physis de uma efêmera
cartografia
* screen saver
a mãe
esverdeada
apagava a luz
com seu parto escuro
na trava das portas
aguardava
temor-esperança
a dança dos espectros
abaixo da cama
a infância perpétua
os entes sem avós,
sem batismo, sem eu
o mar de campânulas
com seres de lugar nenhum
soava dentro da harmonia negra
abafando a metálica
voz
da catedral
sempre exorcizada
mãe, fantasmas,
e o combustível
do espetacular
no limbo do sono reparador
o dia, apenas uma metáfora luminosa
no olho do grito fechado
* pleroma de baal
incomunicáceis
trocamos confissões
dois vasos de trincada
porcelana
no mesmo enquadramento da luz
dois receptáculos que acolhem
as dez sefirot
âmpolas que aguardam
o hálito de fogo
da grande a s m a d e d e u s
* maria centrômera
enjaulada
na avenida
colada ao
perfil de cubos
das infinitas janelas
tantos ossos tantos mundos tantos
vasculares
pelos quais poderia
libertar
os 47 fetos de símios
diamantes
que arrasta
transgênica
na pulseira algema
do braço direito
o braço do santo ofício
* octovisão de tesla
me fito
mefisto luciferino
nas anáguas de abbadon
faraó em transe
risco na pálpebra
ondulatória
linha
lápis lazúli
e um universo
desaparece
no cerne da
maquiagem
* pai nosso das neves
o pão de água
dura
o pão oleoso
da pedra
dilata o dia
abrasa a noite
com o cio dos semáforos
as frutas apodrecem
nos jardins suspensos de rankine
e lá
longe, muito perto
uma nova terra
artificial
com ânforas de nosso
mastigado
dna
a terra prometida
a planície criogênica
e o berço de uma maçã
gestante, cornucópia
estéril do pecado
dos homens
* o evangelho segundo olympia
uma rosa de ventos , palma de uma mão
e o livro a ser escrito
iniciado
na tinta fresca de uma víscera
na pele salpicada de rios subterrâneos
a câmara mortuária
de um caçador
que a si mesmo
assim não se nomeava
o livro dos abismos
o grande manuscrito das rotas marítmas
das rotas hereditárias
no tumor desenfreado de um deus
vertido de águas curativas
seus sinais binários
suas mensagens cifradas
na frota do homem escafandro
meio mago, meio abutre
meditando a angústia de um planeta varrido
pelo sopro austero da matemática
para onde irás sem esta câmara, sem este livro
soterrado?
ancore na bagagem
os guarda-chuvas para neutrinos
mesmo inúteis
chuviscarão belezas flutuantes
no picadeiro dos antigos palhaços,
dos vernáculos
e dos leões.
* a dieta das estrelas
eis a terra cantando
festa de migalhas
poetas, poemas
surrealidades
reclusa na própria hemorragia
entre a lepra e o pão
das conjugações
eis o sangue nutritivo
das freiras palavras
bebendo no claustro
escondidas
de si mesmas
sem nervos sem padres
sem a métrica desnutrida
dos sonetos
eis a mesa magra, mirabilis, mirabilis:
as cinco sementes cítricas de santa
verônica
explodem um sumo milagroso
dentro das chagas do cristo
verbo
crucificado
o jejum pelas imagens
prodigioso
como um século de ervas
na farta comida
das feridas anoréxicas
catarina, angela, margarida,
columba, marie, beatrice,
gavita
no estômago do criador
um banquete radioativo
entre a terra galatéia
e nós |