ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ANTÔNIO MOURA

 

 

 

 

As armas estocadas

 

No quarto ao lado de meu silêncio

dorme a criança sem suspeitar do ar

 

que alimenta a violenta tosse da cidade,

durante o sono – monstros e rosnados –

 

um mercador de medos corrompe as

flores e lianas que buscam germinar

 

entrelaçadas à boca e ao cano dos fuzis,

a criança dorme, enquanto um arsenal

 

faz tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac

no fundo falso de um chapéu texano

 

que não vê diferença entre uma sentença

de morte e outra sentença, a do verbo criador,

 

senhor de mundos onde as pedras flutuam.

A criança dorme, dorme, enquanto suas chagas

 

são amargamente remendadas pelos laços

de família e os panos podres que abafam

 

o som das armas estocadas e o cochichar

subterrâneo do crime com as ideologias,

 

a criança dorme sem suspeitar que dia e noite

noite e dia as máquinas da morte trabalham 

 

fabricando assassinos  paralíticos deformados

cegos surdos mudos órfãos viúvas mutilados

 

e em promoções especiais – “compre uma

leve duas”, dá de brinde a vassoura da eugenia,

 

dia e noite, noite e dia, dia e noite, noite e dia

a máquina da morte vende a varejo – um tiro

 

para cada vivo – um dólar para cada morto, e

em forma de atacado um bem sortido genocídio,

 

a máquina da morte tem filiais em muitos países –

danger nas mãos de sacerdopatas e políticos ,

 

gnomos impotentes, que, no meio da noite

recalcados, levantam e apontam seu míssil

 

contra alguma pequena aldeia que acorda

da cama para em seguida deitar na tumba –

 

ossos e fragmentos que antes eras risos

espalhados pelo chão do bárbaro ofício 

 

No quarto ao lado do meu silêncio, só,

a criança dorme sem suspeitar de nada,

 

um gato listrado ao seu lado – sua alma

 

 

*

 

Antônio Moura (Belém 1964). É autor de Dez (1996), Hong Kong (1999), Rio Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).

Leia também outros poemas (I e II) do autor.

*

 

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