ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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EDUARDO JORGE

 

 

 

 

siete últimas canciones, 1986.

pois,

como insinuar um trajeto

casa-trabalho

não uma novela

movida a bossa nova;

e afinal, ainda se pode

dois, três capítulos,

todo o investimento,

as aplicações,

para estar aqui, com tosse,

entre pele e celulose.

o apelido pode tornar comum,

dois corpos.

1. o apelido quase senha, kuitca, 1961,

palavra laminada

e possível de dois lados,

escolha um pouco de século

– vinte e um,

aliás, os números;

qual binarismo guarda a tosse,

ácaros zero e um,

qual combinação

guarda o lucro,

(fantasmas de dólares atravessam o corpo que coração)

a voz, salvo seu assombro,

entre pele e celulose,

metrônomo agudo

para metrópoles

e quem sabe acrobatas

e funâmbulos

despertem ronhosos

em busca de um rosto,

ou, o que repete guillermo

seu nome surge entre um estímulo

no nervo ótico e sinapses simultâneas,

o movimento inicial canhoto

não marcou à tinta a superfície pardacenta:

“yo miento pero mi voz no miente” –

está entre pele e pintura, raspas,

além de alegres o endereço

e os dias, estendê-los em linha de frente

enquanto os trajetos casa-trabalho

mudam com o fuso a direção do nariz, sua ponta,

e alguém feito contorcionista,

mágico desempregado

ou advinha-surda de algum banlieue-pirambu

pergunta em travelling

diante de uma alegria instantânea:

que carta ela deverá tirado?

pois,

 

o amarelo de um corpo em movimento

 

1.

fosse um cosmos, um planeta como se dizer do mínimo,

seu movimento. quase um risco uma rasura ou um trecho

de jorge, nome forte: a promessa de amor periférico para

um corpo alto e ritmado aos círculos, o bocejo de hábitos diurnos em ancestralidade próxima, em dorso de estivador;

o senhor que lhe mira a indumentária com negaça, talvez

uma influência da constelação serpens no castanho escuro

de sua objetiva ambulante: a cadeira de balanço sem lugar, sob a responsabilidade de acordar ainda escuro em arrastado bambo do chinelo pelo térreo, há de se ter a paciência para não conquistar e, com as mãos abanando, cantar um samba

na mesma boca de nervo exposto. o refrão idem no AM do porteiro, diabético quase cego e vê na finta de um movimento amarelo da pressa um dublê para o gol de ontem.

 

2.

há um silêncio no giro dessa esfera, se houve movimento ninguém explica, um silêncio de senhores. vários riscos

a mesma canção em fevereiro a dizer o não topos. as pontas dos pés doloridas, a sobra da pele descendo sobre o sapato

e na coxa um pequeno mapa de varizes a dizer secretamente uma constelação coincidente, virgo. a cadeira de balanço fica no lado esquerdo da sala em pleno dia de aposentado ou inválido na carteira – o ir vim de lapso da memória e quase canta jorge como quem ora, passa, ô se passa!. quem dirá

o sono, desde ontem acordado, leia-se claridoso. esgarça

as costelas até duas peças de madeira irregular, o pequeno armário improvisado, dobra o corpo e volta maior o braço sobre uma maria de gesso. equilibra a imagem. na terceira investida sobe mais ainda e retira as cédulas que estavam abaixo, leia-se claridoso. desce e vai pagar o placar de ontem – ele, tomara no próximo.

 

3.

à maneira de pina bausch

preto e branco de uma tela, rasgos. o corpo pausado depois da latência, da repetição. o jogo ou café müller, o tom do topos: o que falas é território. e aleatório, dançar diante de um peixe. aquele preto em branco está disparado em movimento repetido, um lançamento “op” no tungstênio comprimido

em foco, no maricón disponível na esquina dos maristas.

há algo de improviso na indumentária bordada e plissada de um preto e branco de time. o corpo sobe e desce em novas articulações para clarear a memória da pele, o que há de mais profundo. há uma falência na noite ainda ontem e

os desbaratados ainda não dormiram. ainda é jogo porque

o dia ainda vale. se cantam as bolas nas caçapas e há excesso de maquiagem,

de alteração de autorias do corpo ou o que os hormônios assumem e se dobram em poros irritados, pelo excesso injetado – vesgo sobre a plataforma, com as lentes perdidas em pedras portuguesas – ensaia o equilíbrio, quem sabe

o do último gol, depois do golpe na cabeça.

 

 

*

 

Eduardo Jorge nasceu em Fortaleza(CE), vive e trabalha em Belo Horizonte (MG). Publicou San Pedro (2004), Espaçaria (Lumme Editor, 2007) e o catálogo Caderno do Estudante de Luz (Funcet/Lumme Editor, 2008). É mestre em Estudos Literários pela UFMG.

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