ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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FELIPE STEFANI

 

 

 

 

sopram os ventos

 

penso: destino

 

(haverá outros

 

tempos e tempestades)

 

abrir as palavras

 

lembro-me

 

ao lado do outono o obscuro

 

o outro

 

coagulo: origem e mudez

 

até o cume

 

lavrar alquimia

 

é o vento que anuncia

 

 

 

 

INTERIORMENTE ERA UMA FLECHA QUE MORRIA


Interiormente era uma flecha que morria.
Uma flecha que nascera agora, maravilhosa dentro da carne.
Uma flecha que sabia cantar luas enlouquecidas,
da a boca ao sexo pendendo
tanto.

Tanto interiormente essa flecha que um trajeto alucinante,
muito antigo, subia até o cú porque sondava até o nascimento
e almejava as margens fugitivas.

Uma flecha tão lúcida nos bosques do corpo
que supunha o ser ter uma massa alagada com campos inexistentes,
onde uma mulher se deita sobre todas idades do mundo.

Uma flecha violeta dormindo
pelos anos e anos dentro da música,
dentro do poeta sangrando.
Sangrando flores pelos ouvidos
aos pés, enlouquecendo terrivelmente.
A flecha amando em sua boca.
(A lucidez da flecha invadindo os poros da musa).

Tanto inexistia como era uma mulher. A flecha
ressurreta nas cores do ser eu via.
Uma vez vi a flecha mudamente migrando
no violeta das margens fugitivas, dentro do ser.
Flecha raríssima como pedra louca, que cobre e desvela-se.

Tão interiormente nascera, sondava e morria.
Girassol sombrio contra o ser-não ser. Sou,
mas não a flecha dentro de mim.


I

E eu que amava o sonho dos pássaros,
dizia as vozes imprevisíveis
que dormiam no mar:

“Como posso sonhar,
se a exatidão em que navegam as aves
é maior que a própria vida?"

E as sombras do silêncio repetiam:

"É preciso cantar para invadir o segredo".

 

 

II

 

O silêncio invade
as rotas da indagação.

Existo?

E as flautas do mar recobram o olvido.

 

 

III

Imagino através das cítaras.
Ouço pelo esquecimento.

Levanto.

Respiro.

Sei que o mundo é imenso.

 

V

Colossal angústia
da muda serpente
que passa rente
à inexistência.

O inefável labirinto absoluto
está em tudo.

A essência é o enigma,

e a morte toca as margens
com dedos surdos.

Somos o estigma do vento
na estiagem do infinito.

 


NOTURNO

Nos estreitos breves
a arte íngreme
de ser,
frente às faces do mundo.

A margens se re-
dobram nas entranhas das luas.

As barcas sonham a distância das flautas.

Fendido ao tempo feito
um canal,
nos orifícios cegos do fôlego,
basta
aquilo que arrefece.

A inocência do mar submerge as cítaras.

 

 

 

A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Todo abismo está no ato,
sonhou o cantor do sono.

O mundo suporta teus ombros,
e eles não cabem nas mãos de um menino.

O breve é vasto,
diz o bailarino.

E não tenho dedos para tecer
dentro do corpo
os estigmas do vento,
a mudez das luas.

Vivemos da fome, da fuga,
do exílio.

O resto é a bruma
que resta do impossível.

 

NASCERÁ DE UM MESTRE

 

não há caminho no meio do nome posso aventurar-me a perguntar as

flautas da terra as flautas do céu o que nada significa disso o grande

labrego explode no ar e seu nome é vento ainda não emergido da minha

fonte onde as oliveiras choram amanhã nos espinhos oram e não sabem

meus pés descalços os lírios sem a tristeza dos campos onde ninguém

compreenderá os cantos escritos nas quedas da paisagem desse corpo

dilacerado que estremece o silêncio contínuo

 

 

*

 

Felipe Stefani é poeta e artista plástico. Nasceu em São Paulo em 1975. Tem os desenhos publicados no site www.pbase.com/sodesenho. Ilustrador, já ilustrou muitos livros de outros escritores, e também seus dois livros de poemas já lançados: O Corpo Possível (2008), pelo coletivo Dulcinéia Catadora e Verso Para Outro Sentido (2010), pela Escrituras Editora. Prefere que sua arte fale por si mesma. Escreve também em seu blog: www.cultuar.blogspot.com | E-mail: felipe.stefani@uol.com.br.

 

 

Leia outros poemas do autor.

*

 

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