sopram os ventos
penso: destino
(haverá outros
tempos e tempestades)
abrir as palavras
lembro-me
ao lado do outono o obscuro
o outro
coagulo: origem e mudez
até o cume
lavrar alquimia
é o vento que anuncia
INTERIORMENTE ERA UMA FLECHA QUE MORRIA
Interiormente era uma flecha que morria.
Uma flecha que nascera agora, maravilhosa dentro da carne.
Uma flecha que sabia cantar luas enlouquecidas,
da a boca ao sexo pendendo
tanto.
Tanto interiormente essa flecha que um trajeto alucinante,
muito antigo, subia até o cú porque sondava até o nascimento
e almejava as margens fugitivas.
Uma flecha tão lúcida nos bosques do corpo
que supunha o ser ter uma massa alagada com campos inexistentes,
onde uma mulher se deita sobre todas idades do mundo.
Uma flecha violeta dormindo
pelos anos e anos dentro da música,
dentro do poeta sangrando.
Sangrando flores pelos ouvidos
aos pés, enlouquecendo terrivelmente.
A flecha amando em sua boca.
(A lucidez da flecha invadindo os poros da musa).
Tanto inexistia como era uma mulher. A flecha
ressurreta nas cores do ser eu via.
Uma vez vi a flecha mudamente migrando
no violeta das margens fugitivas, dentro do ser.
Flecha raríssima como pedra louca, que cobre e desvela-se.
Tão interiormente nascera, sondava e morria.
Girassol sombrio contra o ser-não ser. Sou,
mas não a flecha dentro de mim.
I
E eu que amava o sonho dos pássaros,
dizia as vozes imprevisíveis
que dormiam no mar:
“Como posso sonhar,
se a exatidão em que navegam as aves
é maior que a própria vida?"
E as sombras do silêncio repetiam:
"É preciso cantar para invadir o segredo".
II
O silêncio invade
as rotas da indagação.
Existo?
E as flautas do mar recobram o olvido.
III
Imagino através das cítaras.
Ouço pelo esquecimento.
Levanto.
Respiro.
Sei que o mundo é imenso.
V
Colossal angústia
da muda serpente
que passa rente
à inexistência.
O inefável labirinto absoluto
está em tudo.
A essência é o enigma,
e a morte toca as margens
com dedos surdos.
Somos o estigma do vento
na estiagem do infinito.
NOTURNO
Nos estreitos breves
a arte íngreme
de ser,
frente às faces do mundo.
A margens se re-
dobram nas entranhas das luas.
As barcas sonham a distância das flautas.
Fendido ao tempo feito
um canal,
nos orifícios cegos do fôlego,
basta
aquilo que arrefece.
A inocência do mar submerge as cítaras.
A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Todo abismo está no ato,
sonhou o cantor do sono.
O mundo suporta teus ombros,
e eles não cabem nas mãos de um menino.
O breve é vasto,
diz o bailarino.
E não tenho dedos para tecer
dentro do corpo
os estigmas do vento,
a mudez das luas.
Vivemos da fome, da fuga,
do exílio.
O resto é a bruma
que resta do impossível.
NASCERÁ DE UM MESTRE
não há caminho no meio do nome posso aventurar-me a perguntar as
flautas da terra as flautas do céu o que nada significa disso o grande
labrego explode no ar e seu nome é vento ainda não emergido da minha
fonte onde as oliveiras choram amanhã nos espinhos oram e não sabem
meus pés descalços os lírios sem a tristeza dos campos onde ninguém
compreenderá os cantos escritos nas quedas da paisagem desse corpo
dilacerado que estremece o silêncio contínuo |