ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

FRANCISCO DOS SANTOS

 

 

A ÁRVORE NO SONHO

Dentro dele as coisas que entram pelo olho misturam-se às coisas amorfas.
Sua mãe vem em sua direção e nunca acaba de chegar.
Retira da árvore um filhote gordo, branco, contempla-o em sua desgraça de pássaro,
depois volta-o as ramas rendadas de escamas.
Sua mãe vem em sua direção e nunca acaba de chegar. Ela tem dois rostos e se debate. 
Entre as ramas uma cobra se move lentamente, como ferrugem, como olhos carcomidos.
Sai de sua boca um navio, todos os mastros quebrados.

 

ELA DORME, DORME POR TRÊS DIAS  

a Víctor Sosa  

sob seu sono,
ferro retorcido,
pedaços de prédios,
nuvens,
uma voz a grassitar em seu ouvido, uma voz que diz-lhe coisas más.       
afasta-a,
entre a clavícula e o pomo, esconde-se, recita em sonho um mantra, 
o que se move não corresponde a sua imagem  (dentro dela)
dentro dela um dia curvo, um iceberg, uma haste de vidro, uma dor - uma imagem rasga o seu olho   

 

SOBRE O PAÍS O MONSTRO

a Maria da Paz Ribeiro Dantas

- devorados
erguemos
 com escoras
a pele em declives -  

uma linha passou por nós,  

                   obliqua   

então surgimos do outro lado sem geometria, sem flor, sem espelho  

 

UM PEQUENO PRODÍGIO ARQUITETÔNICO  

a Franciscus Pavlovic,
pintor de 13 igrejas no Brasil, uma delas destruída.
 

 

sim, tinha técnica e egoísmo suficiente para tornar-se um grande autor 
como pássaro que trabalhasse por sua desgraça andava com água no fêmur
chegou a um lugar onde o musgo era tão fino que ao mais leve toque des-
manchava- 
memória, atrito de clausuras, atrito de clausuras, um coração perlar um coração 
fecha-se uma sombra e ele risca com uma pedra negra a via-crúcis na parede branca
no alto,
na cúpula, os anjos e a Trindade, perto dos sinos põe os Santos
de fato, parece avançar em seu intento de aperfeiçoar-se, humanamente,
não há como negar, então cai do nada sobre esse homem bom
um padre polonês
com batina branca, com palavras afundadas na boca, com imensas asas de nafta   

 

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Francisco dos Santos nasceu em 1967, em Nova Andradina (MS), e reside hoje na cidade de Bauru, no interior de São Paulo. Como poeta, Francisco dos Santos publicou os livros M (1991 / 2001), Solilóquio (1997/2002) e A reinvenção do mesmo (2002/2003), reunidos em Francisco de Todos-os-Santos (Lumme Editor, 2003). No campo da prosa de ficção, é autor dos livros O Grande Cineasta, (Edição do autor, 2002), A imagem recorrente (Lumme Editor, 2004) e No American, Latins (2005). O autor também é artista plástico e editor da Lumme. E-mail: contato@franciscodossantos.com.br.

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Veja as telas de Francisco dos Santos e leia um ensaio de Antônio Moura sobre seu trabalho com as artes visuais.

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