GALERIA
FRANCISCO DOS SANTOS
URBANO, DEMASIADO URBANO
Antônio Moura
Talvez
nenhuma topografia seja tão acidentada quanto a do espírito
humano, onde cabem dentro todas as paisagens da terra, os
mais ascendentes céus e os mais profundos infernos.
E dentro desta paisagem onde terra, céu e inferno se intercomunicam,
há ainda uma bifurcação, ou melhor, uma vocação do espírito
humano, a do homem urbano: o Hurmano ou Hurbano, uma categoria
de homem autopromovido à condição de criador onipotente
que é devorado por sua criatura: a cidade. Espécie de Dr.
Frankenstein "in progress", este homem, de uma maneira geral,
tornou-se incapaz de controlar o monstro que ele próprio
gerou e passou ser gerido e digerido por ele. Praticamente
desconectado à natureza - que lhe dá forma e unidade - o
homem construtor e morador de cidades cada vez maiores é
um mosaico de fragmentos, deformações, mutilações, assim
como aparece nestes trabalhos de Francisco dos Santos. Com
certa aspereza, ligeireza e fragmentação de traços, os personagens
desta série são metáforas e alegorias do homem das cidades
e, ao mesmo tempo, uma espécie de retrato naturalista às
avessas, onde todos os destroços e mutações aberrantes interiores
do homem, dilacerado na luta desumanizante que se desenrola
nestes cenários angulosos que são as grandes cidades, vem
à tona, como num raio-x da alma. Assim como a hipertrofia
do Ego reduz o homem a um anão que se imagina um gigante,
fazendo-o interpretar no mundo um papel bizarro e ridículo,
a hipertrofia da cidade, é uma espécie de Super Ração para
este Hiper-Ego, que, invés de alimentar o homem de forma
nutriente, infla-o com venenos, entre eles sonoros e visuais,
que vão deixando-o num estado de pobreza e lástima, cercado
de ouropéis e sorrisos de máscaras. Em realidade, realidade
poética e pictórica, os personagens de Topografia de um
Homem Urbano são fragmentos da explosão interior do Ego
urbano, demasiado urbano.
*
Antônio Moura nasceu em Belém (PA), em 1963. Poeta e
tradutor, publicou, entre outros títulos, os livros de poesia
Dez (1996), Hong Kong & Outros Poemas
(1999) e Rio Silêncio (2004).
Leia
também poemas
do autor e um ensaio
sobre ele escrito por Benedito Nunes.