NENHUM PAÍS
EXISTE
A Danubio
Torres Fierro
E, de fato, nenhum
país existe,
Nem o país da noite nem o do dia,
Nem o da caixa torácica
Nem o dos focinhos úmidos,
E não há Avalon ou Finisterre
No país inexistente:
Lá,
As lágrimas cristalizam-se em estrelas,
E nem por frio ou ausente
Deixa de brilhar
Discreto e puro
Esse país.
(Cidade do México, 9 I 2004)
CONVENÇÕES
A incontornável
Granada, dó-de-peito
Profundo e mal ensaiado, Malagueña
salerosa e outras belezuras, que
Fazer, ancorado entre dois hispanos
Num milésimo restaurante, esmagado
Por tal repertório?
Nosotros no comprendemos
a Brasil
(tente explicar)
nosotros no estudiamos a Brasil
(tente ensinar)
nosotros queremos tanto a Brasil
(que bom)
É mesmo? E
tudo aos gritos? Ah
Por favor deixa eu passar
Ou me arranja um tampão
De ouvido e, de quebra
Outras palavras
(Puerto Morelos, México, 30 XII 2003)
ATÉ QUE
NOS SEPARE A MORTE
E então, vamos
perdendo alguns poemas por dia,
Não tanto quanto os sonhos
Não esquecidos porque nunca lembrados
E agora
Esvoaçaram as aves de formas erráticas,
As letras que definitivamente
Esclareceriam tudo, todos
Os modos e todos os falantes
E vozes e intermittences du cur
Que temos aqui enterradinhos
Como uma linha de pescar
Sim, afundada no açude
No pálido plácido palpável
Açude de então:
À distância, a madrinha nem ousa
Oferecer em matrimônio
Aquele poema,
Aquele mesmo que não foi,
Cônjuge e náufrago
Até que dele nos separe a morte.
(México, Puerto
Morelos, 28 XII 03)
O ANJO DA GUARDA
Para
Cláudia Amorim
- O que é isto?
disse a primeira voz, observando
o céu que escorria como se
uma barriga de cabra desventrada.
- É uma barriga de cabra desventrada.
O que escorre é sangue.
- O que é isto?
disse a segunda voz, observando
um entardecer particularmente
tropical.
- É um entardecer de fato
tropical.
- O que é isto?
disse a terceira voz, observando
a colisão de poeiras galáticas
visíveis por telescópio.
- É uma colisão de "x" poeiras
galáticas.
- O que é isto?
perguntou a quarta alarmada
a quarta alarmada voz, observando
a cor que escorre.
- É o espaldar da cama vermelha
sobre a qual dormes e que assiste os teus
sonhos,
como anjo da guarda.
(SP 3.II.04)