JOANA CORONA
esta noite
pernas abertas, mais abertas, ele a conduzia. com esforço e dor, arregaçava-as no alto, apoiadas em estruturas de ferro ou alumínio, que lhe marcava atrás dos joelhos, a pele. ouvia resmungos e ligeiro, ele fazia o serviço e lhe metia adentro sem delicadeza, decerta. alguma. que impaciência, pensava, enquanto contraía-se. mas nada dizia algo. nenhum. mudice atrás dos gritos dissimulados em gemidos tremidos. sentia algum alívio? de forma que, talvez, sentiria. aliviaria. ainda. hora que, ora qual e n’outra tal, quanto tempo. fixar na saída pela porta, pela direita, direto. pensava estratégia. mas que lhufas,, bulhas. o que de besteira lhe arrombava memória. se encolhia. apequenada na culpa, maior. distintos homens corpos e paus, nada distintos, sem escalão sequer, ou culhão. proteção alguma, nem sempre. de um lhe vinha cheiro da fritura do hambúrger mais suor mais birita mais cheiro concentrado predominante aos outros três, apodrecido. junto de uma crosta branco-amarelado gosma, agarrada ao membro, imóvel. tamanho grude. pagava-lhe pouco, mas voltava frequente. talvez fosse este, dentre os quais, o canalha. lembrou como detesta detestar o que faz e continuar detestando até gostar mais que fizesse outras chatices. passar a gostar, lhe irrita profundas, especialmente porque tem de sobra motivos todos. um passado lamentável, e um futuro menos trágico, ao sair por aquela porta de escanteio do pequeno e infecto quarto. os homens que lhe enfiavam não eram desejáveis, tanto que, violentos. todo dia, na rua daquela rua, a ruela. aquela. onde a encontram e a levam e pr’onde volta. re-volta. amanhã. no mesmo ponto de batalha. o homem segurava-lhe as pernas agora, força tal. grave. a situação era por demais. a impressão que passava era de calma, ela. mas o fato é que o sangue que lhe saía impregnava o lençol encardido do quartinho infecto. o homem tirou o jaleco branco agora vermelho de médico que não é. mandou-lhe com a amiga sair, não tinha jeito e o jeito era não morrer ali, o corpo depois fazer o quê, pela porta? não poderia risco assim, o doutor nada médico especialista em abortos experimentais. foi da porta até um’outra, desta vez de ferro, das escadarias, a mancha impressa no chão, de sangue. nos braços, carregada. nada mais que quase poucos metros abaixo, n’outro andar seguido. do prédio escuro, silencioso, encrustrado numa ruela de outra rua, perto daquela. do ponto. pr’onde não chegou de-volta esta noite. o lençol branco agora vermelho marcado a marca final. da história que não é memória de centro do centro da cidade.
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Joana Corona, poeta e antropóloga, vive em Curitiba. É mestranda em Estudos Literários na UFPR. Publicou o livro de bolso literário-visual OQ? (2006), em parceria com C. L. Salvaro. Publica fanzines coletivos, Potlatch (2 edições)e Lá (5º edição).
E-mail: joanacorona@hotmail.com.
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