LÍGIA DABUL
MURO
Xarpi o mora
Escrevo para estender a língua até
onde a saliva desmancha linhas
com spray do pixo, esse bomb.
E sinto irresistível à mão a
lata, a tinta fugindo
pelo bico fino
bem aqui.
GRAFFITI
Portas automáticas
adivinham. Mas não
vêem teu sexo - mapa
na mão dada, palmas
prontas para cada linha.
O sol despedaça no rumo
indefinido. Outra vez não
se nota a rápida passagem,
luzes, enlace de desenhos
no final daquele muro:
os dois fixos e a jato.
BOLA PRETA
Ninguém premedita. O cordão
define com cerveja mares até
a água parar e o carro engatar
a mesma marcha. É agora:
quem não chora? Blocos de
cinco ou seis de branco e preto
e flores na cabeça. Pernas de pau
espetados na rua, todos de coração.
Fantasias antigas, piratas de índio,
boitatá suando em bicas queimado
na amurada - eu trago, amor.
TATUADO
Se fosse descrever pelo cheiro
a água, a maneira como vem
- um tigre desfaz a simetria
da tua nuca, das costas, do
ombro de onde vejo a ponta
do segredo - viria com o teu
gosto, escorregaria a chuva
grossa pelo vidro da janela.
CALENDÁRIO
Volto do ponto morto. Ferve onde
não deve, no motor com estilo e água
à vontade. O gênio que habita esses
vapores imprime grato a graxa. Cada
peça passa, cada dia uma retífica
como se fosse a vida. Também abrasa
a lataria - talvez se locomova. Por
fora figuras que ligam tudo e
um mês ao outro e ainda depois.
*
Lígia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. Publicou o livro de poemas Som (Rio de Janeiro, Editora Bem-Te-Vi) em 2005. Nave (São Paulo, Lumme . Coleção Caixa Preta) está no prelo. Os cinco poemas aqui incluídos são parte da plaquete Algo do Gênero (São Paulo, Arqueria Editorial . Selo Artémis), a sair em 2010.
Leia também outros poemas de Lígia Dabul. |