ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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LUIZ ARISTON

 

 

 

 

TREINAMENTO CORPORATIVO

 

Razão de ser, estava escrito,

Razão da existência, me calo.

Repito, interminavelmente,

Em pensamento e pensamento

Até que de tão rápido o fluxo

Estanca e a frase permanece

Infinita, suspensa, imóvel:

Razão de ser é vasto e nulo.

 

Razão de ser são objetivos

E seus planos para alcançá-los,

Leio em voz alta, lentamente,

E o meu cachorro, sonolento,

Levanta a cabeça e me escuta,

Trazendo a mim a sua espécie

Dos cachorros que, para Borges,

Não tem passado nem futuro.

 

Mas razão da existência existe?

E o texto cita como análogo:

O que somos principalmente

É mudarmo-nos, movimento,

Melhor que a razão nos conduza,

Como se nós nunca estivéssemos

Entre a beira da própria morte

E a do delírio da cultura.

 

Razão da existência é mijo.

Não já disse uma vez Heráclito,

Que presentes estão ausentes

Na ilusão do conhecimento?

Meu cachorro, lambendo o cu,

É darma e que se lhe impusessem

Razão de ser, seria só

Por doma, nunca por virtude.

 

 

HAPPY HOUR

 

Hoje bebemos mais cerveja,

E disse, depois de outro gole,

O consumidor brasileiro...

Procurei o consumidor

Em seus olhos embaciados,

Então me ocorreu: pouco importa!

E meu corte me recortou:

A morte é desimportância.

 

Quem sou eu, senão que não seja

Um que sinceramente bole,

Um que passe por verdadeiro

E que seja bom vendedor,

Quer auto, quer alteramado.

A morte é charada morta

No insight que se recortou

Em asco, nojo, náusea e ânsia.

 

Mas per capta talvez nem, veja,

Sessenta litros extrapole.

Demócrito, meu timoneiro,

Me diga se aquilo que for

Eternamente recortado,

Como um nada que nem se corta,

Não está morto, pois encontrou,

De si mesmo, a eterna distância?

 

Se eterno remorrer peleja

Com falações de bundas-moles...

Ah, a mijada no banheiro!

Um mercado bem promissor,

Um gole, se bem explorado...

Se bem for, o estômago aborta...

Eu sempre serei quem eu sou:

Ignorância da ignorância.

 

 

*

 

Luiz Ariston é poeta e reside em São Paulo. Participa do Laboratório de Criação Poética coordenado por Claudio Daniel.

 

Leia outros poemas de Luiz Ariston.

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