ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

MANOEL DE BARROS

 



 

NO ASPRO


Queria a palavra sem alamares, sem
chatilenas, sem suspensórios, sem
talabartes, sem paramentos, sem diademas,
sem ademanes, sem colarinho.
Eu queria a palavra limpa de solene.
Limpa de soberba, limpa de melenas.
Eu queria ficar mais porcaria nas palavras.
Eu não queria colher nenhum pendão com elas.
Queria ser apenas relativo de águas.
Queria ser admirado pelos pássaros.
Eu queria sempre a palavra no áspero dela.


O OLHAR


Ele era um andarilho.
Ele tinha um olhar cheio de sol
De águas
De árvores
De aves.
Ao passar pela Aldeia
Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.
O silêncio honrava a sua vida.

 

O CASACO


Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado
e sujo.
Tentou sair da angústia.
Isto ser:
Ele queria jogar o casado rasgado e sujo no
lixo.
Ele queria amanhecer.

 

O PÊSSEGO


Proust
só de ouvir a voz de Albertine
entrava em orgasmo. Se diz que
o olhar do voyeur tem condições
de phalo. (Possui o que vê)
Mas é no tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da carne grita
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.

 

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Manoel de Barros nasceu em Cuiabá (MT), em 1916. Considerado um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos, publicou, entre outros títulos, Gramática expositiva do chão (1966), Arranjos para assobio (1982), O guardador das águas (1989), O livro das irgnorãças (1993), Livro sobre nada (1996) e Poemas rupestres (2004).

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Leia também ensaios sobre Manoel de Barros escritos por Fabrício Carpinejar e Antonio Francisco de Andrade Jr.

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