TORQUATO
NETO
EPIGRAMA 8
Espere
tudo de cinco mulheres juntas.
Conversando.
As maiores putarias.
Obscenidades tremendas.
Elas emanciparam-se.
Tornaram-se fortes, corajosas e opressivas.
Queremos mostrar poder,
porém dez de nós conversando nem chegam perto
de cinco delas.
EPIGRAMA 12
Construo poemas
como quem faz colcha de retalhos.
Frase por frase,
o próximo pedaço pode ser de qualquer
forma ou cor.
EPIGRAMA 18
Quando nada, absolutamente
nada, sai
Eu saio para dar uma volta.
Vou à floresta à procura de chapeuzinho,
da vovó ou do lobo.
Na ânsia de ver pessoas
vou a bares requintados e a botecos mal-cheirosos.
Passo na biblioteca e ponho o nariz em Bandeira.
Depois de várias cervejas
e um colóquio interminável de asneiras.
O que mais desejas?
Ser uma ema?
Para sem pena enfiar a cabeça num buraco?
EPIGRAMA
20
Ouço
canções piegas
que falam de solidão
de amor, de reencontro
de flores...
Canções preferidas dos meus pais,
e tudo é tão bom
como perceber formas obscuras
na claridade da manhã.
EPIGRAMA 21
Estou pirocando
e cada vez mais despirocado.
Acho tudo esquisito.
Sou muito ansioso e agitado.
Drogado e depravado.
Mas me queira bem
me queira bem
queira bem
bem
be
b
EPIGRAMA
22
Estou com
fome de espírito,
e numa sofreguidão intensa
propenso a fazer algo maravilhoso
porém não sei o que é
Sou burro, muito burro, muito burro
Outro final de semana virá
e me parecerá estranho, enorme
medonho, assustador
Mas sou perfeitamente
capaz de sobreviver
sem você.
EPIGRAMA
24
Há
em mim um misto
de loucura e lucidez
de liberdade e amarras
de solidão e paixão
de libra e leão.
Uma tormenta cai
sobre a noite longa
longa noite aquela
onde as janelas
permaneciam fechadas
e eu fora dormir cedo.
ESPERAR. ESPERAR.
Sonhar com Lúcifer...
|
|
TODOS
CANTAM SUA TERRA, TAMBÉM VOU CANTAR A MINHA
sou
um homem desesperado andando à margem do rio
Parnaíba
sou um homem com Glauber Rocha na cabeça e uma
câmara na mão
andando fico à margem de minha terra:
TRISTERESINA.
terra nos olhos da lente.
só filmo planos gerais.
planos.
o meduna.
ando pelas ruas mas tudo de repente é novo para
mim:
a vermelha. a grama. o meu caso de amor. a estação
da estrada de
ferro teresina-são luís um dia de manhã.
minha
terra tem palmeiras de babaçu onde canta o buriti.
e a melhor água do mundo.
e um poço.
e um menino.
como posso agora cantar minha terra;
estando tão longe-perto dela.
como posso eu e essa miséria louca
descobrir destruir as ruínas do lar
citação: NÃO TEREMOS DESTRUÍDO
NADA SE NÃO DESTRUIRMOS AS RUÍNAS
|
(Poemas póstumos
do autor, publicados no segundo número da revista Arraia
Pajeurbe, de Fortaleza-CE, em 2004, e não incluídos
na recém-editada reunião das obras completas
do poeta em dois volumes, Torquatália lançada
pela editora Rocco.)
*
Torquato Neto,
um dos criadores do movimento tropicalista, nasceu em 1944,
no Piauí, e faleceu em 1972, no Rio de Janeiro, após
cometer suicídio. O poeta escreveu letras de canções
como Geléia Geral e Soy Loco por Ti América,
gravadas por artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Dirigiu alguns filmes "marginais", escreveu no jornal
Última Hora (RJ) e editou a revista de vanguarda
Navilouca. Seus textos foram organizados no livro Os
Últimos Dias de Paupéria pelo poeta Wally
Salomão.
*
Leia também um
ensaio sobre Torquato Neto escrito por
André
Monteiro.
|