ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

LAURA RIDING

 

POET: A LYING WORD

You have now come with me, I have now come with you, to the season that should be winter, and is not: we have not come back.

We have not come back: we have not come round: we have not moved. I have taken you, you have taken me, to the next and next span, and the last-and it is the last. Stand against me then and stare well through me then. It is a wall not to be scaled and left behind like the old seasons, like the poets who were the seasons.

Stand against me then and stare well through me then. I am no poet as you have span by span leapt the high words to the next depth and season, the next season always, the last always, and the next. I am a true wall: you may but stare me through.

It is a false wall, a poet: it is a lying word. It is a wall that closes and does not.

This is no wall that closes and does not. It is a wall to see into, it is no other season's height. Beyond it lies no depth and height of further travel, no partial courses. Stand against me then and stare well through me then. Like wall of poet here I rise, but am no poet as walls have risen between next and next and made false end to leap. A last, true wall am I: you may but stare me through.

And the tale is no more of the going: no more a poet's tale of a going false-like to a seeing. The tale is of a seeing true-like to a knowing: there's but to stare the wall through now, well through.

It is not a wall, it is not a poet. It is not a lying wall, it is not a lying word. It is a written edge of time. Step not across, for then into my mouth, my eyes, you fall. Come close, stare me well through, speak as you see. But, oh, infatuated drove of lives, step not across now. Into my mouth, my eyes, shall you thus fall, and be yourselves no more.

Into my mouth, my eyes, I say, I say. I am no poet like transitory wall to lead you on into such slow terrain of time as measured out your single span to broken turns of season once and once again. I lead you not. You have now come with me, I have now come with you, to your last turn and season: thus could I come with you, thus only.

I say, I say, I am, it is, such wall, such poet, such not lying, such not leading into. Await the sight, and look well through, know by such standing still that next comes none of you.

Comes what? Come this even I, even this not-I, this not lying season when death holds the year as steady count-this every-year.

Would you not see, not know, not mark the count? What would you then? Why have you come here then? To leap a wall that is no wall, and a true wall? To step across into my eyes and mouth not yours? To cry me down like wall or poet as often your way led past down-falling height that seemed?

I say, I say, I am, it is: such wall, such end of graded travel. And if you will not hark, come tumbling then upon me, into my eyes, my mouth, and be the backward utterance of yourselves expiring angrily through instant seasons that played you time-false.

My eyes, my mouth, my hovering hands, my intransmuttable head: wherein my eyes, my mouth, my hands, my head, my body-self, are not such mortal simulacrum as everlong in boasted death-course, nevelong? I say, I say, I am not builded of you so.

This body-self, this wall, this poet-like address, is that last barrier long shied of in your elliptic changes: out of your leaping, shying, season-quibbling, have I made it, is it made. And if now poet-like it rings with one-more-time as if, this is the mounted stupor of your everlong outbiding worn prompt and lyric, poet-like-the forbidden one-more-time worn time-like.

Does it seem I ring, I sing, I rhyme, I poet-wit? Shame on me than! Grin me your foulest humour then of poet-piety, your eyes rolled up in white hypocrisy-should I be one sprite more of your versed fame-or turned from me into your historied brain, where the lines read more actual? Shame on me then!

And haste unto us both, my shame is yours. How long I seem to beckon like a wall beyond which stretches longer length of fleshsome traverse: it is your lie of flesh and my flesh-seeming stand of words. Haste then unto us both! I say, I say. This wall reads 'Stop!' This poet verses 'Poet: a lying word!'

Shall the wall then not crumble, as to walls is given? Have I not said: 'Stare me well through'? It is indeed a wall, crumble it shall. It is a wall of walls, stare it well through: the reading gentles near, the name of death passes with the season that it was not.

Death is a very wall. The going over walls, against walls, is a dying and a learning. Death is a knowing-death. Known death is truth sighted at the halt. The name of death passes. The mouth that moves with death forgets the word.

And the first page is the last of death. And haste unto us both, lest the wall seem to crumble not, to lead mock-onward. And the first page reads: 'Haste unto us both!' And the firt page reads: "Slowly, it is the first page only.'

Slowly, it is the page before the first page only, there is no haste. The page before the first page tells of death, haste, slowness: how truth falls true now at the turn of the page, at time of telling. Truth one by one falls true. And the first page reads, the page which is the page before the first page only: 'This once-upon-a-time when seasons failed, and time stared through the wall nor made to leap across, is the hour, the season, seasons, year and years, no wall and wall, where when and when the classic lie dissolves and nakedly time salted is with truth's sweet flood nor yet to mix with, but be salted tidal-sweet-O sacramental ultimate by which shall time be old-renewed nor yet another season move.' I say, I say.

 


POETA: PALAVRA MENTIROSA


Você chegou comigo, eu cheguei com você, à estação que devia ser inverno, e não é: não retornamos.

Não retornamos: não voltamos ao começo: nem nos movemos. Eu levei você, você me levou, ao próximo e próximo espaço de tempo e ao último - e é o último. Fique contra mim, então, e encare e olhe bem através de mim, então. Não é muro algum para ser escalado e deixado para trás como as velhas estações, como os poetas que eram as estações.

Fique contra mim, então, e encare e olhe bem através de mim, então. Não sou nenhum poeta como você que tem a cada espaço de tempo saltado as altas palavras rumo a próxima profundidade e estação, sempre a próxima estação, sempre a última, e a próxima. Sou um muro de verdade: só lhe resta olhar bem através de mim.

É um muro falso, um poeta: é uma palavra mentirosa. É um muro que fecha e não se fecha.

Isto não é nenhum muro que fecha e não se fecha. É um muro para se olhar dentro, não é nenhuma outra alta temporada. Além dele não existem altos e baixos de mais viagens, sem meio do caminho. Fique contra mim, então, e encare e olhe bem através de mim, então. Como muro de poeta fico, embora não seja um poeta como um muro sendo erguido entre o próximo e próximo vão e tornados falsos e intransponíveis. Enfim, sou um muro de verdade: só lhe resta olhar bem através de mim.

E a fábula não é mais sobre a ida: não é mais uma fábula de poeta de uma falsa ida rumo a uma visão. A fábula é sim sobre um ver de verdade rumo a um saber: só resta olhar através do muro agora, através mesmo.

Não é um muro, não é um poeta. Não é um muro mentiroso, não é uma palavra mentirosa. É uma beira escrita de tempo. Nem mais um passo, ou em minha boca, meus olhos, você vai despencar. Chegue perto, encare e olhe bem através de mim, fale só do que você vê. Mas, oh, rebanho de vidas totalmente apaixonadas, nem mais um passo agora. Senão em minha boca, em meus olhos, vocês hão de cair, e não ser mais vocês.

Em minha boca, em meus olhos, estou dizendo, estou dizendo. Não sou nenhum poeta como muro transitório que te conduza por um tão lento terreno de tempo, como o que mediu seu único espaço de tempo com ciclos interrompidos de estação outra e outra vez. Não te conduzo. Você chegou comigo, eu cheguei com você, a seu último ciclo e estação: só assim eu viria com você, só assim.

Estou dizendo, estou dizendo, eu sou, é, tamanho muro, tamanho poeta, tamanho não mentir, tamanho não conduzir. Espere a vista, e olhe bem, saiba que por tal parar assim nenhum de vocês há de vir depois.

Virá o que? Virá até este eu, até este não-eu, esta estação que não mente quando a morte mantém o ano em tempo - este todos-os-anos.

Você não veria, não saberia, não contaria o tempo? Então o que você faria? Então por quê você veio aqui? Para saltar um muro que não é muro, e sim um muro de verdade? Para me atravessar e despencar em meus olhos e boca que não são as suas? Para me depreciar aos gritos como se eu fosse um muro ou poeta enquanto seu caminho passava ao ápice da queda que pareceria?

Estou dizendo, estou dizendo, eu sou, é: tamanho muro, tamanho fim de viagem gradual. E se você não escutar, venha tropeçando sobre mim, em meus olhos, minha boca, e ser o seu dizer às avessas de vocês mesmos expirando zangadamente durante estações instantâneas que enganaram vocês usando o tempo.

Meus olhos, minha boca, minhas mãos ariscas à espreita, minha cabeça intransmutável: em que meus olhos, minha boca, minhas mãos, meu corpo-eu, não é nenhum simulacro mortal como o que eternamente vocês construíram contra a própria morte, pra manter vocês eternamente no alardeado caminho da morte, nuncamente? Estou dizendo, estou dizendo, não sou feito de vocês, desse jeito.

Este corpo-eu, este muro, este discurso poeteiro, é aquela última barreira há tanto tempo evitada durante suas mudanças elípticas: de seu saltar, seu evitar, ninharias de estação, eu o fiz, está feito. E se agora poeteiramente soa com como-se-mais-uma-vez, este é o estupor montado de sua eterna perseverança vestida pronta e lírica, poeteiramente - o proibido mais-uma-vez vestido como tempo.

Pareço soar, cantar, rimar, tudo poetizar? Que vergonha de mim, então! Então sorria-me seu humor repugnantissíssimo de poeta carola? - seus olhos revirados de branca hipocrisia - deveria eu ser mais uma fada da sua fama versificada - ou transformado em seu cérebro historiado, onde as linhas significam mais atuais. Que vergonha de mim, então!

Seja dada a nossa pressa, minha vergonha é sua. Por quanto tempo pareço acenar como um muro além do qual se estendem um período mais longo dessa travessia de carne: é sua mentira de carne e minha fileira de palavras que parecem de carne? Seja dada a nossa pressa! Estou dizendo, estou dizendo. Nesse muro se lê 'Pare!'. Este poeta versa: 'Poeta: palavra mentirosa'!

Então, não despencará o muro, como acontece com muros? Eu não disse: "Encare bem através de mim" É um muro de verdade, despencará. É um muro de muros, encare bem através dele: a leitura chega de mansinho, o nome da morte passa com a estação que ela não era.

A morte é um muro mesmo. Passar por muros, topar com muros, é um morrer e um aprender. Morte é um saber-de-morte. A morte que se sabe é a verdade vista na parada. O nome da morte passa. A boca que se morte-move esquece a palavra.

E a primeira página é a última da morte. E seja dada a nossa pressa, ou então o muro parecerá não se despedaçar, e continuar falsamente. E na primeira página se lê: 'Seja dada a nossa pressa!' E na primeira página se lê: 'Vai com calma, esta é só a primeira página'.

Vai com calma, é só a página antes da primeira página, não é preciso pressa. A página antes da primeira página relata morte, pressa, lentidão: quão verdadeira a verdade se acontecesse agora no virar da página, em tempo de relatar. Verdade após verdade seria verdade. E na primeira página se lê, na página que é a primeira página antes da primeira apenas: "Este era-uma-vez quando as estações fracassaram, e o tempo encarava bem através do muro e nem tentava saltá-lo, é a hora, a estação, estações, ano e anos, sem muro, com muro, onde quando e quando a mentira clássica se dissolve e nuamente o tempo é salpicado com o doce dilúvio da verdade ainda não impura, mas salgada maredocemente - Ó, ultimação sacramental pelo qual o tempo se renovelhecerá e nenhuma outra estação ainda mudará". Estou dizendo, estou dizendo.

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Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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Laura Riding (1901-1991), poeta norte-americana, publicou os primeiros na década de 20, na revista The Fugitives. Viveu na Inglaterra, na Espanha e retornou aos EUA, onde se casou com Schuyler B. Jackson. Publicou, em 1938, seus Collected Poems; poucos anos depois, no entanto, renunciou à poesia, e manteve silêncio criativo até 1967, quando veio à luz o seu livro The Telling (prosa). Nos anos seguintes, sua poesia começou a ser redescoberta, sendo novamente editada na Inglaterra e nos EUA. O poema apresentado aqui foi extraído do livro The Poems of Laura Riding, e faz parte da antologia Mindscapes que foi organizada por Rodrigo Garcia Lopes para a editora Iluminuras.

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Leia também um ensaio sobre Laura Riding, escrito por Rodrigo Garcia Lopes

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