ABRIL
- Ilustração:
Josemí -
Rodrigo de Souza Leão
Pegou uma lâmina de barbear e escreveu depois de cortar os
pulsos:
a lâmina percorre entra e depois perfaz algum hiato cândido
que outrora ressaca de si já foi para outro mar de ardósia
arder nefastos crimes como quem teceu sua troca
a lâmina ardeu urdiu semipousou na mão do alicate que a
manuseando como uma pinça foi incisiva ao ponto g e futucando
arrancou-lhe as orelhas poros ventas e ventanias que colocou
no colo de um tigre de bengala
a lâmina tinha só o dom de percorrer aqui e ali aquele
bigodinho de casimira que se abria em meio à boca de uma pica
nua de si e sem perdigotos brancos por perto e algum escarro
verde ou lacrimogêneo desterro em fezes se acabou
a lâmina serviu para dar o principal caminho para as balas
perdidas que refletidas em si despencavam bolinhas de sabão e
saíam gotas cristalizadas de algodão doce
Falou para o que só ouvia:
- Escuta espelho. Abril entrou pelas pupilas trazendo um jogo
cedo do vento que invadia que dizia que tremia muito pelas
cortinas de enguias e volts e palavras na testa do ontem.
Alguma notícia circundou o jornal, mas não entrou ali de
última hora somente a manchete escarrando o sangue no café da
manhã melita: medito editando sempre as faíscas de pensamento
que surgem com aquele homem detrás do outro e além do outro. É
a verdade e a outra verdade e a outra verdade - sem se
comunicar não dão um samba bom o positivo punque de boutique
que seja um pouco positive punk. Agora o agora sucumbe ao
inerme e exato circo dos sistemas e dilemas como se a angústia
decalcada e podre fosse somente só somente angústia só somente
só somente só assim vou lhe chamar assim você vai ser melita e
mais café no leite e leite quente na refeição que é bom: e o
queijo no café e no café o queijo fétido e aquele queijo com o
verde do escarro e aquela verde cor-de-palmeiras e da cor do
sistema brasileiro de emblemas - o sbe. Sonho de uma noite.
Sete de abril de 2000. Acordo e idéias subtraem idéias. A
gente vive muitas angústias na vida. Se uma mulher que se diz
minha não quer beijar a minha boca porque se diz triste e
porque diz que estou fedendo quando tomei um banho por ela
para vê-la e receber seu beijo. Será que a morte me beijará
antes que você? Quanto será que custa um beijo na boca? Não
consigo entender por que uma mulher não quer beijar a minha
boca. Devo eu estar com problemas e será que os problemas são
meus ou ela estará fingindo que se apaixona pela pessoa certa
e só se apaixona pela pessoa errada. Acho que é hora de romper
com uma amizade que está sendo o que o outro quer, mas não o
que eu quero. Tudo muito marasmo, muito coisas assim:
totalmente liberdade pra ela e nenhuma liberdade pra mim. Ela
me prende e não deixa que eu saia de mim mesmo eu não me iludo
e eu sei que não há futuro para nós e muito menos para mim.
Será que juntos vamos viver mais ou menos ou será que este
discurso louco é louco demais para o meu tempo louco? Eu me
sinto muito pequeno quando quero pedir um minuto de sexo e não
sei se eu sou tão pequeno porque penso em sexo se eu gosto de
sexo e se é no sexo que eu me sinto bem com ela. Já não tenho
assunto pelo telefone. Não sei mais conjugar os verbos e eu
fico pensando se ao invés de falar ela estivesse me usando
sexualmente porque quero ser usado desordenadamente como esta
fala mal falada, entende?
- Entendo.
- Entende o quê?
- Sou pago para entender.
Então o que falava levantou-se e pegou o que só ouvia pelo
braço e deu-lhe um beijo na boca. Saíram camundongos pela
orelha do que só ouvia que disse:
- Caralho do céu. Saiu um bacuri morto do meu ouvido.
- No seu ouvido só entra - disse o que só falava.
O que só falava sentou a porrada no que só ouvia que a esta
altura falava:
- Eu não falei nada.
O espelho quebrou-se. O que só falava e o que só ouvia eram a
mesma pessoa. 13 anos de azar porra.
tudo o
uvirou
sangue
ouvirá
impávi
doqnem
sangue
a lâmina percorre entra e depois perfaz algum hiato cândido
que outrora ressaca de si já foi para outro mar de ardósia
arder nefastos crimes como quem teceu sua troca
a lâmina ardeu urdiu semipousou na mão do alicate que a
manuseando como uma pinça foi incisiva ao ponto g e futucando
arrancou-lhe as orelhas poros ventas e ventanias que colocou
no colo de um tigre de bengala
a lâmina tinha só o dom de percorrer aqui e ali aquele
bigodinho de casimira que se abria em meio à boca de uma pica
nua de si e sem perdigotos brancos por perto e algum escarro
verde ou lacrimogênio desterro em fezes se acabou
a lâmina serviu para dar o principal caminho para as balas
perdidas que refletidas em si despencavam bolinhas de sabão e
saíam gotas cristalizadas de algodão doce
*
Rodrigo de Souza Leão,
poeta, ensaísta e prosador, nasceu em 1965. É carioca, autor
de Há flores na pele.
*
Leia também
poemas
e os contos
Uma temporada nas têmporas
e
Todos os cachorros são
azuis,
do mesmo autor.
*
Josemí
(José Miguel Goyena Sábado) nasceu em 1947 em
Tafalla (Navarra, Espanha). Estudou Sociologia na Universidade
Católica de Lovaina, na Bélgica. Morou em Paris,
Marselha, Tenerife e Palma de Mallorca. Atualmente, trabalha
como ilustrador para editoras e revistas.
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