ENTRE
HORTELÃS-PIMENTAS
E ALGUMAS CORES DE TURMALINA
Eduardo Jorge
O contato com a plaquete de Adriana Zapparoli, A
flor-da-abissínia (Lumme Editor, 2007), foi em um primeiro
instante a curiosidade por uma materialidade da linguagem que
a cada dia nos cega: a língua portuguesa. Digo o porquê.
Primeiro, a capacidade de escritores, a cada dia,
plasticamente elastecer um pouco mais uma língua geralmente
feita de dia-a-dia. O que não quer dizer que se trate de um
empobrecimento em si, mas que geralmente existem
possibilidades guardadas que ainda assim pode nos surpreender
por determinadas escolhas.
E a discussão não passa necessariamente por uma novidade.
Entro aqui em um segundo ponto. Da mesma forma que o novo
cansa, torna-se repetitivo (e, por sua vez, esvaído de
significado - mas, reforço aqui, não com um sentido político),
ou pode estar sendo redesenhado para em uma luta de sempre
permanecer novo, de moda, algo que traga um pouco do cheiro do
mofo, de uma aparência desgastada de velhos dicionários de
química ou de fórmulas agora incompletas porque foram
consumidas pelas traças, pode ser uma leitura interessante.
Interessante ainda não situar com uma afirmação interrogativa,
é contemporâneo.
Talvez para, muito distante, afirmar, como se esforça um
outro, do lado oposto de uma avenida movimentada que nos grita
e acena e quase nada ouvimos: sim, que falta faz alguns
clássicos. E o trabalho de algumas pessoas provavelmente tem
uma importância até política para nós leitores: sim, que falta
faz ler alguns autores clássicos. Daí surgem perguntas que nos
lembram um lead jornalístico.
O que me atrevo aqui pode passar longe de uma resenha, mas por
isso também ressalto da mesma forma que A flor-da-abissínia,
de Adriana Zapparoli, pode passar longe de um livro. Primeiro,
não que se precise de um livro - e hoje esse suporte-linguagem
possui um peso desnecessário para o pequeno conjunto de poemas
ou o poema de Zapparoli. É na leveza de algo mais ligado à
plaquete que se concentra o peso de seus poemas. Leituras
tormentosas, de idas e vindas, para quem busca uma narrativa
ou leituras mais contemplativas para quem busca imagens
pictóricas. E a força pode estar apenas em alguns versos que
tratam de mitologias que ainda nos restam:
era a mulher que o defendia.
Ou: adormecida
no fluxo entre o cérebro e a espinha.
E ainda:
dentro dela,
os bulbos/ de tulipas, estão mais próximos.
Por isso, A flor-da-abissínia compõe poemas que apontam para
outras direções, não apontam para si. Mesmo em presença de
palavras que desconhecemos, proponho uma presença diante de
imagens desconhecidas. Agora é com a imaginação.
*
Eduardo Jorge
é poeta, autor do livro Espaçaria (Lumme Editor, 2007)
e membro do conselho editorial da revista Zunái.
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de Eduardo Jorge e um
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