DAS
RUAS DE PARIS AOS ARRABALDES DE BUENOS AIRES
POESIA, CIDADE E OLHAR EM BAUDALAIRE E BORGES(1)
Franklin
Alves
I descend
upon all those cities, and rise from them again
Walt Whitman
1
A cidade moderna é
uma experiência basicamente visual: um tableaux
onde se cruzam ruas, lade-adas de casas, prédios e
muros; onde vemos um anárquico fluxo de veículos,
luminosos, placas e outdoors, e, principalmente, onde
encontramos uma grande quantidade de indivíduos, indistintamente
percebidos: a multidão. Essa multidão que se
concentrava nos centros, (quando as cidades ainda o tinham
(2)), com o poeta francês Charles Baudelaire, em fins
século XIX, foi objeto de uma nova visada na poesia
lírica.
Com o aumento da população das cidades, processo
que atinge seu mais elevado grau por volta de 1850 - quando,
por exemplo, Londres tinha mais de dois milhões de
habitantes e Paris mais de um milhão (Mumford, 1965,
672) -, estas se transformaram, num grande painel de difícil
leitura. A ilegibilidade da pólis é, para alguns,
ensejo de mal-estar: "a multidão é insuportável",
escreveu o crítico Sainte-Beuve. O poeta Shelley, por
exemplo, acreditava que "O inferno é uma cidade
muito semelhante a Londres - / Uma cidade populosa e fumacenta".
E, quase na mesma direção, Engels n'A situação
da classe trabalhadora: "(...) centenas de milhares
de pessoas de todas as classes e situações,
que se empurram umas às outras, não são
todas seres humanos com as mesmas qualidades (...) com o mesmo
interesse em serem felizes?", perguntava o jovem teórico,
e, afirmava, no mesmo trecho: "(...) passam correndo
uns pelos outros, como se não tivesses absolutamente
nada em comum (...) não ocorre a ninguém conceder
ao outro um olhar sequer" (Engels apud Benjamin,
1994, 54, grifo nosso).
Outro tipo diferente de
tableaux sobre as cidades será pintado pelas
fisiognomias, arte de conhecer o caráter do indivíduo
a partir de suas feições - gênero que
se desenvolveu na França nas décadas de 1830
e 1840 (3). Sob esse olhar científico, destacavam-se
as fisiologias, "fascículos de aparência
insignificante, e em formato de bolso", que tratavam
a multidão das cidades de maneira comezinha e inofensiva,
ocupando-se, apenas, da descrição de tipos.
Walter Benjamin nos mostra que construindo, de maneira frágil,
uma visão simplificadora da vida urbana, mascarando
seus aspectos mais inquietantes e ameaçadores, as fisiologias
contribuíam para transformar a multidão e, conseqüentemente,
a cidade em páginas onde se lê a mesma palavra
repetida inúmeras vezes: uniformidade (Benjamin, 1994,
36). Colecionar e classificar, de maneira rígida e
ingênua, eis o que as fisiologias fizeram, num processo
de homogeneização das aparências.
Há, ainda, um outro modo de olhar para a multidão,
modo fundamental para a definição do campo poético
moderno. Mas, para que este se estabelecesse era necessário
mudar o local de onde se olhava e, essencialmente, quem a
olhava: alguém que das ruas, junto a ela, tivesse um
melhor ponto de observação; alguém que
caminhasse, ociosamente, sem rumo, atento aos detalhes, o
flâneur. Para ele, a cidade se transforma numa
nova paisagem: paisagem urbana, a cidade como "autêntico
chão sagrado da flânerie" (Benjamin,
1994, 186, 191). Esse personagem conseguiu, também,
estar e ser multidão, e desta fazer seu alimento (4).
"Saber orientar-se numa cidade não significa muito.
No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde
numa floresta, requer instrução" escreveu
Benjamin na abertura de Infância em Berlim por volta
de 1900 (Benjamin, 1987, 73). Perder-se com instrução
foi o que fez Charles Baudelaire.
Em ensaio sobre o desenhista, aquarelista e gravador Constantin
Guys, O pintor da vida moderna, Baudelaire, comentando
o artista, homem do mundo, que se ateve à "pintura
de costumes do presente" escreveu: "A multidão
é o seu universo, como o ar é dos pássaros,
como a água, o dos peixes" (Baudelaire, 1997,
20). Essa asserção ecoa na postura do próprio
poeta que, fazendo do mundo sua casa, da multidão um
"reservatório de eletricidade", melhor traduziu
os aspectos da cidade na poesia do século XIX.
Inebriar-se estando junto
ao seu próximo é um dos traços da poética
baudeleriana; lemos no significativo poema em prosa As
multidões:
O passeante solitário
e pensativo extrai uma singular embriaguez dessa universal
comunhão. Quem facilmente desposa a multidão
(épouser la foule) conhece prazeres febris,
de que eternamente se privarão o egoísta,
fechado como um cofre, e o preguiçoso, internado
como um molusco (Baudelaire, 1995, 43-4, grifo nosso).
Unir-se à multidão
e, portanto, entregar-se à "vivência do
choque" - o que para muitos foi causa da "perda
dos elos comunais" (Gomes, 1994, 68) - são privilégios,
no próprio entender de Baudelaire, bem maiores do que
o amor, que atuam no poeta como encantamento, e não
como um grande susto: os substantivos "egoísta"
e "preguiçoso" poderiam, neste contexto,
ser utilizados em relação a Sainte-Beuve e Shelley.
Para o flâneur, que observa com paixão,
"é um imenso júbilo fixar residência
no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito"
(Baudelaire, 1997, 20), e, a partir daí, mudar a maneira
de olhar.
Mas, para melhor compreendermos
a atitude do poeta de fixar-se em algo efêmero e inapreensível,
ou seja, na multidão e na cidade, ambos em constantes
transformações, é preciso entender o
ensejo de buscar no transitório qualidades líricas.
No já citado ensaio, Baudelaire afirma que "esta
é uma bela ocasião para estabelecer uma teoria
racional e histórica do belo"; uma nova teoria
em oposição à do "belo único
e absoluto". O belo, dessa forma, teria "inevitavelmente
uma dupla dimensão". Seria "constituído
por um elemento eterno, invariável, cuja quantidade
é excessivamente difícil determinar, e de um
elemento relativo, circunstancial" - dualidade da arte
que é "conseqüência fatal" da
dualidade do ser humano (idem, 10-1). É na dialética
eterno/efêmero que o artista deve movimentar-se, numa
promessa árdua de construção daquilo
que esvoaça, o tempo presente. Esta proposta, quase
um manifesto, pode ser lida, ainda que de maneira tímida,
no poema de abertura dos seus Quadros parisienses, o poema
Paisagem (5):
Quero, para compor
os meus castos monólogos,
Deitar-me ao pé do céu, assim como os astrólogos,
E, junto aos campanários, escutar sonhando
Solenes cânticos que o vento vai levando.
As mãos sob
o meu queixo, só, na água-furtada,
Verei a fábrica em azáfama engolfada;
Torres e chaminés, os mastros da cidade,
E os vastos céus a recordar a eternidade.
...
O eterno aqui aparece,
explicitamente, na relação que o poeta estabelece
com o tempo, no último verso da estrofe, "recordar
a eternidade", e, também, nos lugares escolhidos
para o poetar: debaixo do céu e perto dos campanários,
enfim longe da movimentação urbana. Entretanto,
o que se canta é a grande atividade das fábricas,
as torres e chaminés, marcas da cidade moderna: um
novo cântico que apreende a cena cambiante da rua e,
por extensão, da cidade e de seus habitantes. Temos,
então, o belo, com seus dois elementos, o eterno e
o circunstancial, numa proposta poética "que buscava
transcender a efemeridade e a estreita política do
lugar à procura de significados eternos" - proposta
que Baudelaire chamou de modernidade e que "proveio de
um reajuste radical do sentido de tempo e espaço na
vida econômica, política e cultural" pelo
qual passava a Europa em meados do século XIX (Harvey,
1999, 237-241).
Mudando o lugar, muda-se,
também, o modo de olhar. Baudelaire, sob uma nova perspectiva,
olha e examina a cidade, este livro que não pode ser
lido, il ne se laisse pas lire, e sob o signo da curiosidade
tenta traduzir o que é passageiro. Essa curiosidade
além de ser considerada o ponto de partida do novo
artista, homem do mundo, é "uma paixão
fatal, irresistível!". Assim, se por um lado,
foi encarada como desejo irrequieto e, freqüentemente
malévolo, vide, por exemplo, Santo Agostinho (6), por
outro, é causa do conhecer. Estar atento a tudo, a
qualquer detalhe, é a razão do flâneur
que, ainda, é comparada a um estado de convalescença
(7) que aproxima seu olhar ao da criança: "O convalescente
goza, no mais alto grau, como a criança, da faculdade
de se interessar intensamente pelas coisas, mesmo por aquelas
que aparentemente se mostram as mais triviais". Como
a criança, o artista ou, neste caso, o poeta enxerga
tudo como novidade, está sempre inebriado: uma infância
redescoberta, "agora dotada, para expressar-se, de
órgãos viris e do espírito analítico"
que o adulto possui (Baudelaire, 1997, 18). Nenhum aspecto
da vida é, então, para o flâneur,
indiferente.
Tal estado inebriante
é provocado, como acredita Benjamin, pelo longo caminhar
através das ruas: "a cada passo, o andar ganha
uma potência crescente", o espaço banaliza-se,
pisca para o caminhante e "tudo o que acontece potencialmente
nesse espaço é percebido simultaneamente"
(Benjamin, 1987, 186-8). O que estava escondido, o velado,
abre-se aos olhos de criança do flâneur,
olhos curiosos, que desta maneira vêem beleza, por exemplo,
numa mendiante, ser que não desperta interesse, a não
ser para aquele. Lemos num dos poemas de Baudelaire, A
uma mendiga ruiva, mais um dos seus Quadros parisienses,
este desvelamento: "Para mim, poeta sem viço,
/ Teu jovem corpo enfermiço, / Cheio de sardas e agruras,
/ Tem só doçuras". O que para a maioria
é doença, aflição, para o poeta
é motivo lírico que agrada tanto aos sentidos
como ao espírito: nesse jogo, ele entrevê no
cotidiano uma realidade ainda desconhecida. No final do poema,
podemos ler o desvelar-total, o mistério, enfim, nu,
despido pelos olhos: "Segue, pois, nua de tudo / (...)
só de teu corpo vestida, / minha querida!".
Este mesmo desvelar podemos
ler no poema As velhinhas, dedicado a Victor Hugo:
"No enrugado perfil das velhas capitais, / Onde até
mesmo o horror se enfeita de esplendores, / Eu espreito,
obediente a meus fluidos fatais, / Seres decrépitos,
sutis e encantadores" (grifos nossos). Observando com
atenção e obedecendo à curiosidade, seu
fluido fatal, o poeta francês deslumbra-se com essas
que já tiveram brilho e "foram mulheres um dia":
o olho vê no banal e, neste caso, mais especificamente
no que morre, uma espécie de paraíso e de novidade.
Podemos, ainda, encontrar maneira semelhante de espreitar
no poema em prosa As Viúvas. Neste, o poeta
escreve que: "Não consigo nunca impedir-me de
lançar olhares, senão universalmente simpáticos,
pelo menos curiosos, para a multidão de párias
que se aglomeram nas adjacências de um concerto público".
Como no poema d'As flores do mal, aqui, a curiosidade,
que rege mais uma vez a descoberta, é fundamental ao
processo poético que transforma uma imagem da vida
comum numa de alta intensidade, e uma simples viúva
torna-se, agora, singular visão, como lemos mais adiante:
"Era uma mulher alta, majestosa, tão nobre
de aspecto que não tenho lembrança de ter
visto seu par nas coleções das aristocráticas
belezas do passado" (Baudelaire, 1995, 45, grifos nossos).
E se, por acaso, "certos lugares lhe parecem vedados",
como também algum corpo, algum personagem urbano, "é
que não merecem, a seus olhos, receber uma visita"
(Idem, 41). Assim, a multidão e a cidade oferecem ao
flâneur inúmeras possibilidades de poesia,
pois ele acaba "Buscando em cada canto os acasos da rima,
/ Tropeçando em palavras como nas calçadas,
/ Topando imagens há muito sonhadas", enfim, tem
diante de si uma paisagem sem nenhuma proteção,
"paisagem sem soleiras", utilizando a expressão
benjaminiana.
Definindo assim um novo campo e um novo modo de olhar, fazendo
da urbe "santa prostituição", motivo
lírico, Baudelaire torna-se figura fundamental para
a poesia do ocidente, e paradigma no que se refere à
temática das cidades; "o maior exemplo da poesia
moderna em qualquer língua", como afirmou T. S.
Eliot, e que teve a "capacidade de ver no deserto
da metrópole não só a decadência
do homem, mas também de pressentir uma beleza misteriosa,
não descoberta até então" (Friedrich,
1978, 35, grifo nosso). Por tais motivos, e, ainda, recordando
o próprio poeta quando afirma que: aquele "que
se entedia no seio da multidão" e não sabe
movimentar-se nesse "reservatório de eletricidade"
deve ser desprezado, podemos investigar quais seriam as diversas
razões que levariam qualquer poeta a afastar-se da
multidão, buscando locais isolados da intensa agitação
urbana.
Mas essa atitude de afastamento
é, também, uma constante na poética de
Baudelaire: estar perto desta, desposando-a, e longe, rejeitando-a
quase por completo, são dois movimentos que, dialeticamente,
neste poeta, não se excluem. Esses dois movimentos
são resultado da própria modernidade, que ao
mesmo tempo em que adota uma postura provocante, tem seu interior
dividido. Com Baudelaire, e principalmente com ele, não
poderia ser diferente: todas as suas idéias são
duplas.
Marshall Berman, no seu
livro Tudo que é sólido se dissolve no ar
(8), destaca no poeta francês a importância do
verbo desposar, épouser, como o "símbolo
fundamental da relação entre o artista e as
pessoas à sua volta". Para o crítico, quer
essa "palavra seja tomada no seu sentido literal de casar,
quer no sentido figurado de envolver sensualmente,
trata-se de uma das mais banais experiências humanas,
daquilo que faz o mundo girar" (Berman, 1982, 160). A
proposta de épouser la foule, desposar a multidão,
seria para Baudelaire e, também, para Berman a condição
primeira da arte moderna: lançando-se no caos da vida
quotidiana, ordinária, o poeta pode tomar esta para
si e transformá-la, como vimos, em arte. Eis-nos aqui
perto da contradição baudeleraireana; o seu
reservatório de eletricidade, a multidão, torna-se,
em muitos momentos, fatigante, impossível de ser vista.
N'O spleen de Paris, livro que foi escrito no momento
de maior vigor na modernização urbana, sob a
administração Haussmann, e onde a cidade (9)"desempenha
um papel decisivo no seu drama espiritual", podemos encontrar
alguns exemplos desta contradição.
No poema em prosa À
uma da manhã, lemos, logo no primeiro parágrafo,
a vontade de estar sozinho: "Enfim! Sozinho! Já
não se ouvem mais que alguns fiacres rodando, retardados
e estenuados. Por algumas horas, teremos silêncio, senão
repouso". E, continua, na mesma direção:
"Enfim! Sumiu a tirania da face humana e agora só
quero sofrer por conta própria". Embriagar-se
junto ao próximo, épouser la foule, ou
seja, a regra primeira do artista moderno, parece já
não ser o que importa, pois agora a vitalidade da multidão
converte-se em violência, em jugo. O segundo parágrafo
é, ainda, mais emblemático:
Enfim! - agora posso
descansar num banho de trevas. Antes de mais nada,
uma dupla volta na fechadura. Parece-me que virar
assim a chave aumentará minha solidão e
fortificará as barricadas que atualmente me separam
do mundo (Baudelaire, 1995, 36, grifos nossos).
Na leitura desse trecho,
podemos depreender que a crítica feita pelo poeta aos
que não desposam a multidão - os egoístas
e os preguiçosos - será, na verdade, uma crítica
que serve a ele mesmo, quando, por vontade de separar-se do
mundo, dá "uma dupla volta na fechadura".
Berman, no referido livro, comentando o dualismo radical na
postura baudeleraireana, faz a seguinte afirmação:
"sempre que isola a arte moderna da vida moderna, procura
passar uma rasteira a si próprio, para as reunir novamente
(Berman, 1982, 155). E, reúne-as, de modo instável,
ao dizer no poema As multidões: "Multidão
e solidão: termos iguais e conversíveis para
o poeta ativo e fecundo" (Baudelaire, 1995, 41).
Paisagem, poema
de abertura dos Quadros parisienses, também
é exemplar neste aspecto. Na primeira estrofe encontramos
a proposta de construção do belo a partir da
dialética eterno/efêmero; proposta moderna que
exaltava a grande atividade das cidades numa relação
com o supra-histórico, a eternidade: o flâneur
caminhando nas ruas a olhar a vida moderna e a conhecer os
"prazeres febris" que esta lhe oferece. Já
na segunda estrofe há uma mudança de comportamento:
de observação da cidade, passa a contemplação
da natureza, justamente no inverno, e fecha-se, como um molusco,
utilizando uma imagem do próprio Baudelaire:
...
Verei a primavera, o estio, o outono; e quando;
Com seu lençol de neve, o inverno for chegando,
Cada postigo fecharei com férreos elos
Para na noite erguer meus mágicos castelos.
Hei de sonhar então com azulados astros,
Jardins onde a água chora em meio aos alabastros,
Beijos, aves que cantam de manhã e à tarde,
E tudo o que no Idílio de infantil se guarde.
...
A multidão, implícita
nos primeiros versos do poema, converte-se em solidão,
mas para o poeta "ativo e fecundo" ambas são,
igualmente, motivo lírico. Os mágicos castelos,
o sonho, que para ele eram sinal de capacidade produtiva,
não perceptiva; assim como os astros e jardins expressam,
aqui, um dos momentos da oscilação entre o manter-se
isolado e o desposar a multidão. Os últimos
versos são significativos para tornarmos evidente este
duplo movimento na sua poesia:
...
O tumulto, golpeando em vão minha vidraça,
Não me fará mover a fonte ao que passa,
Pois que estarei entregue ao voluptuoso alento
De relembrar a Primavera em pensamento
E um sol na alma colher, tal como quem, absorto,
Entre as ideais goza um tépido conforto.
Não há dúvida
de que Baudelaire amava a multidão e, ao mesmo tempo,
amava a solidão; poderia e, conseguiu, estar sozinho
naquela, mas desejava também estar só, fechado
como um cofre, afastado do mundo. Observamos, em dois momentos,
as distintas visões que ele teve da modernidade - visões
que se opõem de modo intenso: se por um lado a vida
moderna é vista como um grande show, numa interpretação
acrítica e simples, por outro ela, e seu progresso
inerente, foram considerados "luz traiçoeira",
"idéia grotesca", "obscuro farol",
numa visada mais crítica e radical. Este dualismo não
permite considerar a vontade de afastar-se da multidão,
reservatório de energia, um motivo de desprezo - o
afastamento será, juntamente com o desposar,
um traço de sua modernidade.
2
A cidade, porém
uma nova cidade, continua, com os movimentos de vanguarda
nos anos 20, sendo eixo temático da poesia. Autores
tão diversos como Oswald e Mário de Andrade,
Oliverio Girondo e Jorge Luis Borges, para ficar só
no cenário latino-americano, tiveram suas primeiras
obras, de maneiras também distintas, marcadas pela
experiência urbana. Dois deles, Mário e Borges,
radicalizaram essa experiência, transformando suas cidades
em matéria de livro: Paulicéia desvairada,
lançado em 1922, e Fervor de Buenos Aires, lançado
um ano mais tarde. Ampliando esse cenário, podemos
observar que, na verdade, as vanguardas foram, exclusivamente,
movimentos de cidades: Paris, Milão, Moscou, Lisboa,
Madri, entre outras, destacaram-se como centros do surgimento
das novas idéias, como seu habitat natural.
A cidade, dos fins do
século XIX às primeiras décadas do XX,
foi o espaço de grandes transformações
sociais, econômicas e, principalmente, tecnológicas.
Estas últimas, em especial o desenvolvimento dos meios
transportes e de comunicação, tornaram possíveis
o seu crescimento geográfico e populacional. As violentas
transformações não só alteraram
a cartografia urbana, mas também as experiências
humanas: a urbe como signo moderno exige um outro aparato
de percepção. A cidade moderna será,
então, o palco dessa nova sensibilidade onde "o
sucessivo passa a dar lugar ao simultâneo, o espaço
histórico é substituído pelo espaço
geográfico, a diacronia pela sincronia, a tradição
pelo instante" (Schwartz, 1983, 4).
Será neste contexto
que Jorge Luis Borges lançará seu primeiro volume
de poemas, Fervor de Buenos Aires - volume que, juntamente
com Lua defronte (1925) e Caderno San Martín
(1929), forma uma trilogia de Buenos Aires. No que se refere
aos diversos movimentos de modernização, ocorridos
simultaneamente na capital portenha, devemos destacar: vigoroso
crescimento populacional, desenvolvimento comercial e industrial,
redefinição urbanística, aprimoramento
dos meios de transporte e comunicação. O panorama
cultural também muda: aumento nas tiragens dos jornais,
surgimento de editoras, lançamento de revistas e, conseqüentemente,
a intensificação do debate cultural. Enfim,
Buenos Aires era, mesmo com atrasos em relação
à Europa, uma cidade moderna.
Deste modo, a cidade oferece
um cenário vivo e turbulento de massas e multidões,
e cria condições para a prática da flânerie,
do olhar curioso que se anima na rua. Como bem observou Beatriz
Sarlo, no ensaio Buenos Aires, cidade moderna: "A nova
cidade torna possível, literariamente verossímil
e culturalmente aceitável o flâneur que
lança o olhar anônimo de quem não será
reconhecido por aqueles que observa". O flâneur
contempla o espetáculo moderno de Buenos Aires: sob
um intenso jogo de luzes (10), ele observa a grande quantidade
de tipos, guardas, poetas, vagabundos, prostitutas, ladrões,
músicos; "uma humanidade única cosmopolita
e estranha surge de mãos dadas nesse desaguadouro de
beleza e alegria", como escreveu Roberto Arlt nos frementes
anos 20 bonaerenses. Um novo elenco de imagens, personagens,
e percepções que exige um espírito, também
novo, frente a essa combinação de elementos.
Mas o olhar de Borges
sobre a cidade é, certamente, um outro tipo de olhar
- já que ele celebra uma Buenos Aires afastada das
luzes, da velocidade e da multidão, enfim afastada
de tudo o que era exaltado pelas vanguardas. Ele canta os
arrabaldes, os subúrbios, as orillas, zona indeterminada
entre o centro e o campo. Em seu livro Um ensaio autobiográfico,
confirma tal opção: "A cidade - não
toda a cidade, claro, mas alguns lugares que me eram emocionalmente
importantes - inspirou os poemas de meu primeiro livro publicado".
Podemos também destacar que em Fervor de Buenos
Aires o jogo de luzes dá lugar aos entardeceres
e à penumbra; que em lugar da multidão há
apenas algumas "almas singulares" e que, também,
não há a exaltação das máquinas
nem tampouco da velocidade. Como o próprio, na referida
autobiografia, escreveu: "Não nos impressionavam
os trens nem as hélices nem os aviões nem os
ventiladores elétricos" (Borges, 2000, 64, 67).
O poema As ruas, que abre
o volume Fervor de Buenos Aires, é fundamental
para entendermos esta poética:
As ruas de Buenos
Aires
já são minhas entranhas.
Não as ávidas ruas,
incômodas de turba e de agitação,
mas as ruas entediadas do bairro,
quase invisíveis de tão habituais,
enternecidas de penumbra e de ocaso
e aquelas mais longínquas
privadas de árvores piedosas
onde austeras casinhas apenas se aventuram
abrumadas por imortais distâncias,
a perder-se na profunda visão
de céu e de planura.
São para o solitário uma promessa
porque milhares de almas singulares as povoam,
únicas ante Deus e no tempo
e sem dúvida preciosas.
Para o Oeste, o Norte e o Sul
se desfraldaram - e são também a pátria
- as ruas;
oxalá nos versos que traço
estejam essas bandeiras (11).
Nos dois primeiros versos
há uma relação corpórea de identificação
com as ruas da cidade: a metáfora do corpo, mais especificamente
das entranhas, dá as ruas um reconhecimento que não
passa nem pelo maquinário nem pela velocidade. As "ávidas
ruas / incômodas de turba e de agitação",
as ruas da metrópole, não fazem parte do corpo
do poeta: o tumulto das multidões, que foi motivo lírico
na poética fundadora baudelairiana, aqui não
seduz mais. As ruas entranhadas no poeta são as "entediadas
do bairro / quase invisíveis de tão habituais",
aquelas que "São para o solitário uma promessa
/ porque milhares de almas singulares as povoam". Lançar
um olhar para a multidão, desposá-la, parece
ser uma atitude impossível, pois nela não há
nenhuma promessa de construção do poema - nas
almas idênticas que circulam todos os dias pela cidade
não existe mistério. Desta maneira, em seu livro
de caminhadas por Buenos Aires raros são os personagens,
e quando aparecem ou estão mortos ou ausentes, como
é o caso das mulheres amadas.
A opção
feita por essas ruas demonstra a diferença entre Borges
e certa linhagem de escritores modernos: enquanto estes insistem
na multidão que circula pelas ruas, aquele a descreve
quase livre da interferência humana. E suas andanças
são representadas numa linguagem onde a linearidade
discursiva se opõe à síntese dos seus
contemporâneos vanguardistas. Assim, esse aspecto de
Fervor de Buenos Aires imprime a Borges uma inflexão
de restaurador da linguagem poética, pois recupera
a tradição literária na re-invenção
de uma cidade há muito perdida, segundo Jorge Schwartz
(Schwartz, 1883, 49). Nesta perspectiva, Fervor pode
ser considerado um livro "essencialmente romântico",
onde a atitude de contemplação oferece ao leitor
um modo de olhar distinto daquele que apreende simultaneamente
as formas, de matriz cubista (12).
Toda essa visão
da cidade se configura após sete anos na Europa, mais
precisamente em Genebra, quando Borges retorna, em 1921, para
a Argentina: "Para mim foi uma surpresa, depois
de ter vivido em tantas cidades européias (...) descobrir
que o lugar em que nasci se havia transformado em uma cidade
muito grande e extensa, quase infinita", afirma
o escritor na sua autobiografia (Borges, 2000, 63, grifos
nossos). Junto à surpresa, em relação
à infinitude de Buenos Aires, o que também nos
chama atenção é o momento de reencontro
com a cidade - momento onde o afastamento é essencial
para o olhar:
Aquilo foi mais do
que uma volta ao lar; foi uma redescoberta. Podia ver
Buenos Aires de perto e com entusiasmo, porque estivera
afastado dela por longo tempo. Se nunca tivesse ido ao
estrangeiro, duvido que tivesse podido vê-la com
essa peculiar mistura de surpresa e afeto daquele momento
(idem, 63-3).
Seu olhar, mistura
de surpresa e afeto, se assemelha a um tipo de olhar atento
reivindicado pela pensadora Simone Weil, na sua filosofia
da atenção: "Recuar diante do objeto que
perseguimos. Só o que é indireto é eficaz.
Nada se faz se não se recuou primeiramente" (Weil,
1979, 386). A distância contribuiu assim para que a
visada de Borges sobre Buenos Aires fosse uma visada livre
das circunstâncias contemporâneas que tanto condicionaram
as vanguardas. A atenção permitiu-lhe ver, nesta
cidade, o que outros artistas, por estarem habituados a ela,
não conseguiram ver de maneira crítica: o processo
de mudança, por vezes conflituoso, que transformou
aquela num local irreconhecível. Neste sentido, a cidade
presente em Fervor é a metáfora de um
tempo perdido, destruído de maneira definitiva pela
metropolização. É, principalmente, o
local onde se refuta o presente e todas as transformações
implícitas nele - encarnando a modernidade, de certo
modo, pela sua negação. Assim, a reconstrução
desse tempo será possível através de
uma reurbanização imaginária: Buenos
Aires refundada pela outra voz que é o poema.
Esta cidade pode ser observada
no poema As ruas. Além da ausência da
turba e da agitação, podemos também ressaltar
os tipos de elementos visuais presentes naquelas: invisíveis,
penumbra, ocaso, abrumadas. Elementos que se opõem
ao excesso de luminosidade da cidade moderna: a luz artificial,
capaz de alucinar os indivíduos, é aí
substituída pela luz natural dos crepúsculos;
o neon cede lugar às sombras. Será nessas condições
que Borges olhará para a cidade: um olhar que vê
casinhas "abrumadas por imortais distâncias",
e se perde "na profunda visão / de céu
e de planura". Desse modo, Fervor de Buenos Aires
prefigura tudo que ele faria depois por já compor um
certo elogio à sombra, uma certa poética do
afastamento: "tudo que é próximo se afasta".
Essa frase, que Goethe escreveu referindo-se ao crepúsculo,
serviu ao argentino como cifra para entender sua progressiva
cegueira: "Tudo o que é próximo se afasta,
é verdade. Ao entardecer, as coisas mais próximas
já se afastam de nossos olhos, assim como o mundo visível
se afastou de meus olhos" (Borges, 2000, 323). A penumbra,
o ocaso, as coisas abrumadas pela luz dos entardeceres, permitem
a ele, no entanto, um olhar mais atento: "o referente
se afasta e a imagem cega permite o afastamento do vivido
e a criação de simulacros" (Souza, 1999,
48). Expressão paradoxal e crepuscular do conhecimento:
a memória e a imaginação, através
das sombras, tomam posse das coisas sem a mediação
da visão - por mais estranho que possa parecer, as
sombras ajudam a olhar.
Este é o procedimento
entrevisto também em poemas como Rua desconhecida
e A praça San Martín. No primeiro, o
poeta numa de suas caminhadas pela cidade, ao entardecer,
avista uma daquelas ruas, "quase invisíveis de
tão habituais": "Nessa hora em que a luz
/ tem uma finura de areia, / dei com uma rua ignorada / aberta
em nobre largura de terraço". O que antes era
desconhecido, sem brilho, apagado, obscuro - em outras acepções
do vocábulo ignorado - com a penumbra torna-se
conhecível, talvez porque "essa hora da tarde
de prata / desse sua ternura à rua, / fazendo-a tão
real como um verso / esquecido e recuperado". O movimento
de recuperar a rua ocorre sem a "vivência do choque",
tão comum nas grandes metrópoles, mas com amabilidade,
num encontro que imprime a essa rua características
bem diversas daquelas em que Baudelaire encontrou sua passante.
A qualidade da sombra de tornar as coisas mais aptas ao olhar,
e ao conhecer, pode ser confirmada no poema A praça
San Martín: "a tarde inteira tinha-se remansado
na praça, / serena e sazonada, / benfeitora e sutil
como uma lâmpada / clara como uma fronte, / grave como
gesto de homem enlutado".
Além da opção
pelos entardeceres, há, em Fervor de Buenos Aires,
a escolha por locais afastados do centro; tem-se, então,
uma cidade de margem: ruas entediadas, pátios, praças,
cemitérios. Lugares distantes, como os arrabaldes que
aparecem nos últimos versos do poema As ruas:
"Para o Oeste, o Norte e o Sul / se desfraldaram - e
são também a pátria - as ruas / oxalá
nos versos que traço / estejam essas bandeiras".
Do leste, ou oriente, de um ponto de vista distanciado, Borges
anseia que as ruas, entediadas e invisíveis, se desfraldem
como bandeiras: desejo poético que perpassará
o resto de sua obra, em locais onde raros são os personagens.
Os pátios, também recorrentes, aparecem como
o lugar de onde se olha: "De um dos pátios ter
olhado / as antigas estrelas, / do banco da sombra ter olhado
/ essas luzes dispersas / que minha ignorância não
aprendeu a nomear / nem a ordenar em constelações",
lemos no poema O sul. A escolha de olhar astros ao
invés de luminosos confirma a opção de
buscar, ou construir, uma cidade de perfil menos cruel e mais
familiar: as luzes das "antigas estrelas" imprimem
ao tempo o caráter de eternidade - caráter bem
diverso da efemeridade dos luminosos.
No poema Um pátio,
encontramos o mesmo modo de olhar, com a ajuda das sombras,
o céu: "Com a tarde / cansaram as duas ou três
cores do pátio. / Esta noite, a lua, o claro círculo,
/ não domina seu espaço. / Pátio, céu
canalizado". Diferente da amplitude dos arrabaldes, os
pátios delimitam o que olhar, porém esse efeito
não prejudica a escolha do poeta, e sim contribui,
pois livre das interferências urbanas vê-se melhor:
"O pátio é o declive / pelo qual se derrama
o céu na casa. / Serena, / a eternidade espera na encruzilhada
de estrelas. / Grato é viver na amizade escura / de
um saguão, de uma parreira e de uma cisterna".
A simpatia pelo que tem
pouca claridade, a amizade escura, ajudou-o a olhar
aquilo que deixou, com o advento da modernização,
de ser olhado ou foi olhado com desdém por outros escritores:
estrelas, praças, calmas ruas de subúrbio, arrabaldes,
ocasos, numa reurbanização imaginária
que fez do ato de recordar um poderoso recurso. O presente
não lhe interessava, seu desejo "era escrever
uma poesia essencial: poemas para além do aqui e do
agora, livres da cor local e das circunstâncias contemporâneas"
(Borges, 2000, p. 67-8). Borges queria uma Buenos Aires que
representasse o quadro do passado, de sua mitologia e heróis;
enfim uma cidade reconstruída - anelada como alternativa
às transformações do presente e de tudo
o que fosse moderno. Uma cidade que só existe, pois
o poeta a contempla: "Eu sou o único espectador
desta rua; / se a deixasse de ver, ela morreria".
Notas:
(1) Este trabalho contou
com o apoio institucional do Pibic-CNPq, e foi orientado pela
profa Dra. Celia Pedrosa, dentro do projeto Poesia e visualidade,
realizado na Universidade Federal Fluminense em 2003.
(2) Beatriz Sarlo destaca o processo de descentralização
das cidades no capítulo Abundância e pobreza
do seu Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte
e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
1997.
(3) Para maiores detalhes sobre as fisiognomias, conferir:
BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole urbana. São
Paulo: Edusp, 1994, páginas 40-5.
(4) Sem especificamente praticar a flânerie, Dickens,
em 1848, numa de suas cartas, falava da cidade/multidão
como força inspiradora: "Uma semana, quatorze
dias, posso escrever maravilhosamente num sítio afastado;
mas um dia em Londres basta para me reerguer e me inspirar
de novo. E a fadiga e o trabalho de escrever, dia após
dia, sem essa lanterna mágica são monstruosos..."
(Benjamin, 1994, 198, grifos nossos).
(5) BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1985, p. 317. Tradução,
introdução e notas de Ivan Junqueira. Todas
as demais citações de poemas d'As flores do
mal seguirão tal referência.
(6) "Resisto às seduções dos olhos
para que os pés, com que começo a andar no vosso
caminho, não me fiquem presos". Cf. AGOSTINHO,
Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural,
1999. Coleção Os pensadores, p. 295.
(7) A idéia da convalescença foi desenvolvida
por Baudelaire a partir do conto O homem das multidões,
de Edgar Allan Poe. Deste vale destacar as seguintes passagens:
"Durante alguns meses estivera mal de saúde, mas
me achava agora convalescente e, voltando-me as forças,
encontrava-me em uma daquelas disposições que
são tão precisamente o contrário do tédio;
(...)" e, ainda, a seguinte: "O simples respirar
era um prazer e extraía positiva satisfação,
até mesmo de muitas e legítimas fontes de pesar.
Sentia um calmo porém indagador interesse por todas
as coisas". POE, Edgar Allan. O homem das multidões.
In: Ficção completa, poesia e ensaios. Rio de
Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1981, p. 392.
(8) Neste livro Berman mapeou em Baudelaire, de maneira interessante,
as duas visões distintas que este tinha da modernidade,
chamando-as de modernismo pastoral e antipastoral, respectivamente
o que o século XX chamou de modernolatria e desespero
cultural. A visão pastoral "proclama a natural
afinidade entre a modernização material e a
modernização espiritual", entretanto "esquece
as sombrias potencialidades" dos movimentos político
e econômicos da burguesia. Já a antipastoral
"não apenas desliga o seu artista do mundo material
do vapor, da eletricidade e do gás, mas também
de toda a história da arte, passada e futura"
(Berman, 1982, 148-156).
(9) Baudelaire, no prefácio deste livro dedicado ao
escritor Arsène Houssaye, afirma que "É
principalmente da freqüentação das cidades
enormes, é do cruzamento de suas inúmeras relações
que nasce este ideal obsedante". A obsessão de
que fala o poeta é a de "uma prosa poética,
musical sem ritmo e sem rima, suficientemente solta e contrastante
para adaptar-se aos movimentos líricos de uma alma"
(Baudelaire, 1995, 16, grifos nossos).
(10) A seguinte passagem de Roberto Arlt, citada por Sarlo,
é exemplar neste aspecto: "[...] às sete
da noite a rua vagabunda acende todos os seus luminosos, e
engrinaldada de retângulos verdes, vermelhos e azuis,
lança sobre as muralhas brancas seus reflexos de azul
de metileno, seus amarelos de ácido pícrico,
como o glorioso desafio de um pirotécnico" (Sarlo,
1997, 202).
(11) Todas as demais citações de poemas de Borges
seguem a mesma referência: BORGES, Jorge Luis. Obras
completas (volume um). São Paulo: Editora Globo, 2001.
(12) Podemos, para ilustrar a afirmação, citar
trechos de poemas de Oswald de Andrade e Oliverio Girondo:
"Arranha-céus / Fordes / Viadutos / Um cheiro
de café / No silêncio emoldurado" (Andrade,
1976, 175) e "La mañana se pasea em la playa empolvada
de sol. / Brazos. / Piernas amputadas. / Cuerpos que se reintegran.
/ Cabezas flotantes de caucho" (Schwartz, 1983, 70).
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WEIL, Simone. A condição
operária e outros estudos sobre a opressão.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (Seleção
e apresentação de Ecléa Bosi).
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Franklin Alves
nasceu no Rio de Janeiro. Poeta e ensaísta, é
autor do livro de poemas (inédito) Céu Vermelho.
Leia também poemas
de Franklin Alves e um ensaio
do autor sobre Júlio Castañon Guimarães.
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