ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

FRANKLIN ALVES



1


Não fisgar o peixe
deixá-lo (de leve)
tocar a isca
tremular a linha
Assim o poema

E ao voltar
com o aço
com o náilon
saber que a carne
(conformada ao
primeiro)
não é mais
a mesma


2


São peixes
nadam
Mas por breves instantes
(quando pássaros)
voam

3


Brilham-se de vivos
Um lume frio que anseia partículas de tempos
(não-perdidos)
Reflete-se num refletir quase cego a pele-escama do poema escrito
Arrepio que ensejava motivos


4


Costurar as palavras
com ligas de arsênico
Passar a mão
entre o espaço eclipsado
de silêncio e fala


5


Os anzóis nos unem aos peixes


Caixa-preta


Enterrada aqui, como oferta deste chão, uma caixa-preta. Antes, essa mesma caixa, cubo sem erros, existia aos nossos olhos, o que não existia era o objeto de grande importância, mas de pequeno valor que ela continha, não nos via. Enterrada, perdemos a caixa e o objeto velado. Não somos mais vistos por ela nem por seu ventre prenhe de segredo. Porém, temos a memória: relume que encerra uma luz capaz de descobrir caixas-pretas, corpos e lâminas cegas de terra. Obra desaparecida. Assim, ao dobrarmos cada esquina, desta ou de qualquer cidade, sabemos que, o que ficou ainda existe, o que não vemos nem nos olha é uma grande tela cheia de detalhes.

 

Transcursos


1


Os dentes permanentes, estruturas mineralizadas implantadas nos alvéolos dos maxilares superior e inferior, crescem e absorvem as raízes dos dentes de leite. Pouco a pouco vão empurrando os provisórios até que estes caiam inteiramente substituídos - assim como uma lembrança a outra.


2


Vê: está preso ao tempo. Não recluso
num quarto sem luz mas em pele
e ossos

(grafado nos dias brancos a gastura
vermelha de viver sempre hoje)

Há um relógio na parede que gira
ao contrário - engana céticos
nunca o corpo

Liguei para Ana. Ela não estava
(muda-se a cor dos cabelos em instantes)
Espero + vinte minutos

3


Vivo não vivo tornar-se
Não vivo
Fazer tornar-se não
Vivo ou fazer tornar-se
Morto

 

Dez golpes


1


Desorienta a luta
com golpes orientais
de Bruce Lee


2


O lado certo: este
Nenhum nirvana
só as coisas
Desmetaforizado
um tigre -
feroz simetria -
é devorado por
crocodilos


3


A vida é cheia -
o vazio sempre tão
perto nos remete a
algo - de nada

4


Palmilhar de-
vagar o corpo
torpor
A língua inclusa
na pele como
agulha
subpor
Cometer de mão
cheia cabeça
vazia os mesmos
erros
Descompor de-
vagar o corpo
etc

5


Não existe
nível seguro
para o consumo
desta substância
escura acre
aguda -
mesmo assim
consomem-na
Uns devidamente
outros não

6


O que podia ser feito
já foi feito:
o solo está esterilizado
os papéis queimados
o moçar pintado de azul
Todos prometeram
nunca contar
aquilo que a ninguém
deve ser revelado -
os segredos


7


A esmo sempre o mesmo papo:
palavra-tecla na mesma batida
de máquina
de escrever
de cuspir besteiras de


8


Risca um círculo de fogo
(silêncio de possibilidades)
Dentro do círculo, os galhos secos queimam
os verdes continuam verdes
O desejo: queimar arestas sobras linhas
Um lápis apontado vinte anos
com a mesma palavra

9


Tão-somente apagar
vestígios
Quando há
um rastro preto
de sangue

10


Mais que tocar trompete
saber onde dói

*

 

Franklin Alves nasceu no Rio de Janeiro. É poeta e ensaísta.


Leia também os ensaios do autor sobre
Glauco Mattoso e Júlio Castañon Guimarães.

*

 

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