SÉRGIO COHN E SEUS OLHOS DE
HORIZONTE
Rodrigo
de Souza Leão
Fragmentação
e minimalismo viraram lugares-comuns quando se escreve sobre
a poesia de boa qualidade contemporânea. Por isso, é
antiquado definir uma poética a partir desses dois
pilares. É necessário apontar novas características
para que possamos agregar a este totem algo que flui - no
rio nem sempre heraclítico da poesia - com muito mais
riqueza de significados.
A poesia
contemporânea de impacto é muito mais rica em
qualidades do que esta simplificação que é
quase um encosto - para situar no terreno metafísico
pop a questão. Isto não significa que boa parte
da produção da Geração 90 (pós-vanguarda)
não tenha estas duas características. O que
não se pode mais é partir daí - desses
definidores - para falar sobre um poeta e a sua poética.
É muito pouco devido à tamanha variedade de
cores e matizes nas obras poéticas dessa geração.
A boa poesia
contemporânea que circula entre os jovens poetas é
sofisticada. È fruto de uma postura rigorosa frente
à linguagem. E esta postura esteticista - sem cair
no vazio discursivo - é que está presente no
livro Horizonte de Eventos (Azougue Editorial, 2002), de Sérgio
Cohn.
A primeira
peça do livro (Um Anuário de Desvelos) já
tem ingredientes importantes e características que
revelam: o poeta em questão tem nas veias João
Cabral de Mello Neto. Isto devido à tensão estrutural
que o poema tem e demais características que serão
aqui reveladas. Há passagens de singela beleza como
"esguio, um musgo tomava / formas humanas" e "sabíamos
pescar paisagens / nossa revolução/silenciosa".
Sérgio
Cohn ainda nos diz sobre os demais poetas: "somos uma
geração / de saltos / e sustos / samplers /
colagens / à espera que a corda / se arrebente".
Trata-se de um poema que mostra a maturidade do poeta em enveredar
pela questão da temporalidade e suas bifurcações.
À moda da vida o escritor dá um ritmo adequado
ao seu anuário e vai descortinando as aquisições
e perdas de uma alma pós-moderna vivendo num mundo
onde as aparências são muito valorizadas.
O poeta
tem grande preocupação com a linguagem desde
este primeiro poema. Também demonstra estar antenado
com outras poéticas de seu tempo. É visível
a influência de Claudio Daniel em sua obra. Não
se trata de xerocar a linguagem de outro e sim ser levemente
angustiado e positivamente contaminado com outra produção
que não a sua. Em belo texto sobre o opúsculo,
Bruno Zeni ainda assinala a plêiade de escritores que
fazem a cabeça do autor: "A leitura dos herdeiros
brasileiros sedimentou as influências do surrealismo
e da geração beat, como Roberto Piva, Cláudio
Willer, Rodrigo de Haro, Jorge Mautner e o já citado
Afonso Henriques Neto se conjuga com a de poetas que mantêm
um trabalho mais contido e filosófico como Rubens Rodrigues
Torres Filho, Paulo Henriques Brito e, mais recentemente Alberto
Pucheu e Claudio Daniel, este em chave orientalista e fortemente
imagética".
Além
do texto de Bruno Zeni há o prefácio de Pedro
Paula Pimenta, situando muito bem a poética do escriba:
"Não deixa de ser agradável se deparar
com uma poesia que tão cuidadosamente evita desvarios
afins(...)". É na contenção que
está à força de Sérgio Cohn. Seria
uma contenção cabralina? Creio que sim. Em movimentos
de contração e expansão, o poeta esconde
e revela. Tudo na medida exata: como o sonho que é
"uma pedra / arremessada no poço / sua turbulência
/moldando o dia".
Outra pedra-de-toque
do livro é a forma como o poeta encara a questão
sintática. Com cortes abruptos, ele vai tecendo o tapete
de conteúdo explosivo e condensado, características
estas que não revelam um poeta lírico, isto
na concepção careta de lirismo, já que
de uma certa forma tudo passa pelo olhar de Cohn e revela
as ambigüidades presentes no cotidiano ou até
nos eventos fenomenológicos.
Por tudo
isto Horizonte de Eventos merece ser lido e deve ocupar o
seu lugar de destaque entre as excelentes obras lançadas
ultimamente. É bom assinalar que o poeta acaba de completar
30 anos e encontra-se no estágio primeiro de construção
de um projeto literário. Este começo promete
para o futuro dias de grande fartura literária para
o autor: sem esquecer que o presente já insere Sérgio
Cohn entre os grandes nomes de sua geração.
Saudações ao poeta que tem olhos de horizonte.
*
Rodrigo
de Souza Leão nasceu em 1965. É carioca,
autor de Há Flores na Pele e co-editor de Zunái.
*
Leia também
poemas
do autor e seu ensaio sobre
Antônio Mariano.
|