O
REINVENTOR DE POSSIBILIDADES:
UMA CONVERSA COM JOMARD MUNIZ DE BRITTO
Por Marcius Cortez
Professor, crítico da cultura, cineasta superoitista, filósofo
pop, prosador, autor de centenas de atentados poéticos, autor
de manifestos, mais de quinze livros publicados. Figura de
proa do tropicalismo brasileiro, objeto de teses e de ensaios
de críticos nacionais e internacionais. Diga-nos quando o seu
conterrâneo Marco Vilaça vai lhe chamar para Academia
Brasileira de Letras?
Não
tenho perfil, competência nem coragem para exercitar a
política das letras. Depois que reconheci o teatro/anexo da
Academia, poderia até a retornar ao sonho (compartilhado por
Fernando da Rocha Peres, poeta e historiador baiano) de
organizarmos um Simpósio, Simposium (?), no estilo do Banquete
de Platão sobre os Desencontros da Cultura Brasileira.
Até
o fim do ano sairá o seu livro "Do Modernismo à Bossa Nova"
pela Ateliê Editorial. Você mexeu muito no texto? O que entrou,
o que não entrou? E a apresentação do Glauber Rocha, ficou?
Preferi não alterar a escritura juvenil (65-66, do século
passado), mas tive de cortar alguns excessos de ingenuidade,
ao me referir ao pós-modernismo. Trata-se de um ensaio
paradidático motivando outras leituras de Mário de Andrade. E
novos projetos do Oswald. Gostaria de acrescentar ao texto do
Glauber uma "desapresentação", respondendo perguntas do
jornalista Renato Lima. O fantasma da atualidade continua
sendo por mim per-seguido.
Jomard,o seu currículo é invejável. Você conseguiu ser
rejeitado pela universidade, pela grande imprensa, pelos
grandes editores, pela igreja, pelo poder público, pela livre
iniciativa. Para você, tudo bem esta injustiça?
Meu
auto-exílio no Recife, minha arrogância (ou intolerância ou
inconformismo) diante dos Grandes Mestres da Cultura no Brasil,
tudo isso está confirmado no filme em super-oito "O Palhaço
Degolado". Poderia situar-me como o mais inútil, infame e
perverso dos "justiceiros". Sem os alhos e bugalhos dos
compadecimentos.
Você escreveu recentemente um texto onde centrou fogo no
eterno retorno do outrem. O que é isso, Jomard?
Em
lugar de ousar percorrer uma "linha evolutiva" e linhagem de
reinvenções, continuo apostando na micropolítica das inversões:
da Tropicália e dos tropicalismos aos Manifestos de Oswald de
Andrade. Todos os sertões e metrópoles desautorizados.
O
professor Jomard / o autor de atentados poéticos. Onde estes
dois se encontram?
No
entrelugar da pedagogia paulofreiriana dos "círculos de
cultura"; nas salas de aula sem paredes (lembram-se do
Marshall McLuhan?); nas desconstruções do transe de Glauber;
nos contrapontos culturais do Ré-cife para Sampa e
Salvadolores. Todos os desencantos e desencontros. Atitudes
performativas para todos, contra todos, até contradizendo JMB.
Qual é o papel que devem desempenhar hoje os intelectuais em
relação à distância que existe entre eles e o povo?
Reler, refazendo e reinventando a resposta anterior sobre os
A.P. Investindo na criatividade (não confundindo com o
criticismo transcendental); nos meios de comunicação de massa
(tanto patrocinados pelo MINC como pela Coca-Cola); no
corpo-a-corpo das rádios comunitárias, a exemplo da Alto
Falante, no Alto José do Pinho
em
Casa Amarela,
entre inúmeras; na "luta corporal" a favor das diversidades e
jogando sem medo das adversidades.
O
buraco da província. Ou isso não quer dizer mais nada, já que
para o artista contemporâneo o local de nascimento é mero
acidente de percurso?
O
buraco somos nós. A província somos nós outros. Venho
aprendendo com minhas amigas e professoras Ângela Prysthon,
Heloísa Buarque de Holanda, sem esquecer os fundamentos pop
filosofantes com Roberto Machado e Silviano Santiago,
ensino-aprendizagem-deseducações dos "cosmopolitismos
periféricos". Sem tentar escapulir dos labirintos da
historicidade e dos mais densos "acidentes de percursos".
Certos leitores afirmam que seus atentados poéticos são muito
loucos e que não fazem sentido. Dizem que você exagera nos
adjetivos e nos jogos de palavras. Como você reage a isso?
Os
leitores podem ser tão sinceros que, de súbito, se tornam
"hipócritas" e inevitáveis co-autores desses Atentados. Alguns
chegam a solicitar: tem poeminha aí? Qual é o poema de hoje? O
mais difícil talvez seja caracterizar a diferenciação entre
poema, poesia, poeticidade e "atentados poéticos". Um dia
chegaremos perto desses abismos. Com sinceridade e hipocrisia
de "sujeitos fraturados".
O
famigerado JMB. O que é isso, Jomard?
-
Exercício cotidiano de psicanálise selvagem, miXturando Freud,
Sartre, Foucault, Deleuze, Lacan com a "argumentação cerrada"
de Luiz Costa Lima.
-
Sutil homenagem ao conto de Guimarães Rosa, logo percebida
pelo poeta Amador Ribeiro Neto, da UFPB.
- O
tal e qual nada igual ao famigerado JMB que gostaria,
intempestivamente, de ser um deseducador de cidades e
desorientador de teses.
- O
que é ISSO: jogo de antíteses, reinventando as possibilidades
da "religião da amizade".
Luiz Costa Lima, Sebastião Uchoa Leite, João Alexandre Barbosa
produziram em suas obras um diálogo com o concretismo,
especialmente com Haroldo de Campos. Você não, você ora
reverencia o concretismo, ora outras vanguardas brasileiras.
Por quê?
Continuo considerando o paideuma da arte concreta o que melhor
assumiu a radicalidade intersemiótica da linguagem. Mas a
força da erudição - especialmente em Haroldo de Campos -
continua dificultando meu diálogo com ele. Ao contrário dos
meus amigos supracitados, que sempre mantiveram uma invenção
teórico-prática entre pares. E reciprocidades. O verbo
reverenciar não combina com minha indisciplina mental e
sobretudo,com uma comprometida indigência monolinguística. Mas
sempre discordei do silêncio obscurantista mantido
principalmente pela UFPE, em décadas passadas. Hoje, apensar
de tardiamente ou não, a "dialética do esclarecimento"
reverbere melhor nos iluminando. Optei pelas errâncias entre o
popcreto e o neoconcretismo até a Tropicália.
Não
lhe apavoram a onipotência do deus-dinheiro, o tacão da guerra,
a fome do mundo, a cruzada repressora, o desastre ecológico, a
alienação das massas, a ditadura da mídia que, no caso
brasileiro, transformou-se no monopólio da canalhice?
Tudo isso - muito além das retóricas - me deixa perplexo e com
a exaustão de uma impotência beirando os abismos da loucura,
que tenta transfigurar-se pelos atentados poéticos. Encontro
no recente trabalho do Lirinha, enquanto Cordel do Fogo
Encantado, uma perspectiva e possibilidade de transfiguração.
Diante do quadro amargo das impunidades, por que não investir
nos micropoderes? As comoções, interpenetrações e militância
dos SEM: teto, terra, tela, letramento etc.
Pondo fogo na entrevista, lá vai uma pergunta tipo revista "Caras":
se você fosse obrigado a passar uma temporada numa ilha
deserta com Ariano Suassuna ou com Gilberto Freyre, qual dos
dois você escolheria?
Apesar de vir - com e sem devires -dedicando-me à consagração
de Ariano como Imperador da Cultura Brasileira, a vitalidade
de Gilberto Freyre continua desafiando todas as Federações
Espíritas. Vitalidade: organicidade?
Esquizo-análise-sincretista? Eterna invenção do Brasil
carnavalizado, cooptável e carismático? Afastem de mim esses
cálices dos Gênios da Raça, entre portugais e coca-colas...
Cultura oficial e populismo oficial. Os dois são a mesma coisa?
Os
projetos do Nacional-Popular atravessando Mário de Andrade,
Movimentos de Cultura Popular (MCPs e CPCs), Paulo Freire,
Darcy Ribeiro, Armorialismos, tão brasiliricamente, podem
apontar para os amálgamas (viva Jorge Mautner!) atualmente se
multiplicando com os Pontos de Cultura do MINC, do
hipertropicalista Gilberto Gil. A coisa Brasil - da pergunta
13 - nos arrebenta em termos de complexidade, de pensamento
cibercultural, de virtualidades e desejos desejantes.
O
seu faro antenado está detectando algo de novo no ar?
- A
força tão frágil quanto estranha dos "coletivos', dos
trabalhos, projetos, produções culturais compartilhados.
- Uma
indignação generalizada diante das impunidades.
- O
conformismo quase ou sempre fanático das religiosidades em
cada esquina, por cada dízimo.
-
A pergunta irada: as barbáries dominarão os processos civilizatórios?
Você participa de um grupo de estudos e atualmente vocês estão
analisando a transgressão. Vocês discutiram Foucault e também
passaram por Georges Bataille A propósito, você concorda que
"os momentos de intensidade da existência são os momentos de
excesso, de dissolução das formas constituídas e da fusão dos
seres?"
Desfazendo a mitologia das transgressões, constatando o mal-estar
das civilizações, esquecendo a estética das rupturas, e ainda
mais des-confiando da "lei do desejo", talvez seja melhor
apostar na intensidade do Bem, da justiça, da solidariedade e
da beleza diante e até dentro da sordidez.
Jomard, o microfone é todo seu. Diga o que você quiser.
Evitar as frases de efeito, virtude alienante dos intelectuais
pequeno-burgueses. Como eu? Sem autofagias. Sem microfonias.
Sem as inevitáveis retóricas da vigésima quinta hora.
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Leiam também um ensaio
sobre Jomard, poemas
do autor
e acessem o arquivo de imagens.
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