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JORGE LÚCIO DE CAMPOS


A AULA DE GUITARRA

a Balthus

1

Não me lanço
à vida
por acaso:

não existo, resplandeço. Não celebro
o pranto que me oprime
e esgota meus recursos

Por acaso
um dinossauro, uma baleia –
uma impressão de poucos dígitos

Num rappel à l'ordre faço a luz
e o espaço
constitui minha colagem –
me acolhe num espelho
incoerente


2
Paraliso minhas
folhas de papel
e o poema perde o cálculo, o metal, a
urgência que o acordoa
e meu corpo se desfaz –
velado extrato
a raptar o mundo

O que me resta
rumoreja
me leva pra fora
despe
agride
sodomiza


3
Excluo apegos
e de vez
me torno em
torno de mim

Se me falam
não respondo
Se me tocam
me desvaio, devoro
a língua –

sujo a tábua rasa
de minha alma –
pinto um pôr-do-sol
e então fujo –

finjo que
não ouço
minha aula
de guitarra

 

*



Jorge Lúcio de Campos nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1958. É autor dos livros de poesia Arcângelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1997) e À maneira negra (1998), além de volumes de ensaios.

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Leia também um conto de Jorge Lúcio de Campos e um ensaio sobre o autor.

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