ETONA E O SILÊNCIO ENTRE DOIS GRITOS
Abreu Paxe
Etona é uma figura no mundo das artes plásticas angolanas
que se vem notabilizando e fazendo marca. Nós viemos
neste espaço a propósito de falar sobre a mais
recente exposição do Etona. Artista já com várias exposições
cá em Angola e no exterior. Vem, mais uma vez, sob a égide
da embaixada de Portugal em Angola apresentar-nos suas propostas
estéticas.
Este trabalho repousa no etonismo. Mas não é do etonismo que
vamos falar. Isto exigiria de nós outro exercício pelos pontos
de contacto que a obra do ETONA mantém com outros artistas na
semiosfera universal e local. Ele regista na sua obra um
aparente hibridismo que é notório na dispersão, levando-nos a
colher nestas peças bons resultados estéticos, mais pela
actualização dos nossos espaços. Em face disso e como não
ignoro os testemunhos escritos sobre este manifesto, pode-se,
a partir daí, compreender a razão por que não nos sentimos à
vontade para falarmos do etonismo. Deixemos, pois, para os
outros o etonismo e vamos falar daquilo que estas peças nos
dão a observar.
Os recursos técnicos utilizados pelo Etona estão baseados
na escultura em madeira e pedra; na pintura em tela e mural.
Estes recursos, que já fazem bandeira em alguns espaços, mantêm
uma estreita relação com a sua vida privada, política e cultural,
configurando um diálogo profundo que permite actualizar à
volta destas duas semiosferas: a primeira que se projecta
no espaço universal e a segunda que assenta nos nossos espaços
culturais. Nas quais o resultado, tanto das propostas em escultura
como em pintura, se revela antípoda a modelos estáveis, pelo
facto de sermos quase sempre capturados pelos limites provisórios
na sua contemplação artística.
Passemos para a descrição dos mesmos:
Primeiro, na pintura é recorrente o uso de cores frias com
excepção do vermelho que se junta ao preto, sem escapar do
simbolismo universal destas cores. Esta policromia exercida
por Etona, entre luz e sombra, combina técnicas: por um lado
de policromia e, por outro, da sobreposição de imagens,-
inteiramente realizada pela pintura. Este recurso dá medida ao
drama que consome o homem nas semiosferas que nomeamos acima,
traduzido na permanente intenção do apagamento das alegrias,
por estas resistirem e teimarem em marcar presença. Por isso,
actualiza os nossos, e não só, topos com imagens simbólicas,
quase que num assumido realismo, como da criança, dos jovens
dançando, da mulher, da palanca negra, do Jornal de Angola,
de uma panela; reedita imagens fragmentadas construídas na
base do silêncio, do implícito. Isto não quer dizer que as
outras não o sejam. Todo este exercício devolve-nos expressões
da economia que ele realiza da mimesis de nossas
alegrias e tristezas, nas quais a paisagem africana é
invariavelmente convocada.
Segundo, na escultura usa como material a madeira; o artista
entoa, nestas peças, cânticos de sombra à moda senghoriana na
intermitência das imagens ora como símbolos observáveis:
símbolos reais como o grito e a queimada; ora como símbolos
que só nos vão devolvendo pelos seus movimentos sinais
fragmentários. Também na pedra realiza experiências
surpreendentes como a escultura com a imagem do pensador
atravessada transversalmente por uma cruz e as lágrimas que,
pelo tamanho descomunal em que se apresentam, se parecem com
testículos que são os órgãos de reprodução afinados à
vitalidade e à resistência. Talvez tudo isto traduza a
decadência, como se pode observar na semântica destes textos
escultóricos e nos enormes desafios que o homem está
submetido. Há uma característica que se pode notar que é
recorrente na escultura do Etona: primeiro, pelo aspecto
gigantesco das esculturas. Segundo pela imagem da mulher. A
mulher, claro, como símbolo da fertilidade, da continuidade,
da esperança. O Etona não deixa de convocar a mulher mesmo que
para isso a transfigure à medida dos nossos medos e temores,
do nosso egoísmo, do nosso espírito de ganância, da nossa
condição de africanos colados à sombra; com o peso da guerra,
da fome, da miséria. Colados à sombra como um silêncio entre
dois gritos: O grito, por um lado, do ocidente e, por outro,
do oriente.
Este, o artista que se reparte entre o esculpir e o pintar,
convoca para tal a cultura africana compreendida aí no seu
hibridismo simbólico. Pelo que nos dá a contemplar, harmoniza
os campos sociais, económicos e políticos e constrói seu grito
no silêncio da integração. Por isso, achamos que estas propostas
podem sobreviver por si, assim mesmo, pelos seus movimentos
e proposta de imagens, o público verá. Que o tempo venha
daí fazer justiça.
*
Leia
também poemas
do autor, a Carta de Luanda (II), uma entrevista
e o ensaio
de Claudio Daniel.
*
Abreu Castelo Vieira dos
Paxe nasceu em 1969 no vale do Loge, município do Bembe
(Angola). Licenciou-se no Instituto Superior de Ciências da
Educação (ISCED), em Luanda, na especialidade de Língua
Portuguesa. É docente de Literatura Angolana nesta mesma
instituição e membro da União dos Escritores Angolanos (UEA),
onde é secretário para as atividades culturais. É técnico de
comércio externo pela escola de comércio. Publicou A chave
no repouso da porta (2003), que venceu o Prêmio
Literário António Jacinto. No Brasil, foi publicado nas
revistas Dimensão (MG), Et Cetera (PR) e
Comunità Italiana (RJ), e em Portugal, na antologia Os
Rumos do Vento, (Câmara Municipal de Fundão).
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