ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

PARTILHO AO EXPLICAR SABORES: BREVES NOTÍCIAS HISTÓRICAS

 

Abreu Paxe
 

Meu kamba Claudio, escrevemos esta karta para partilharmos alguns mambus nossos, os mambos cá da nossa banda. Primeiro, vamos falar das eleições que se vão realizar este mês no dia 5 de setembro, sexta-feira, portanto; segundo, os mambos das melhorias que o país vai conhecendo e outras ondas da diferença entre céu e inferno nas diferentes localidades do país. E por fim, como é óbvio, fechar com uma dica sobre o acordo ortográfico da língua, na prática dos nossos entendimentos e nos desentendimentos deles. Estes, julgamos, são os fatos de atualidade achados necessários para explicarmos e partilharmos sabores.

 

Angola - o silêncio que sobe sobre o iconoclasta

Meu kamba Claudio, Angola tornou-se independente ao 11 do mês de novembro do ano de 1975, depois dos portugueses e pares, numa primeira fase, a tornarem como mercado de compra de escravos para serem usados no cultivo da cana-de-açúcar e outras atividades afins, por exemplo, e, numa segunda fase, como colônia ultramarina. Este processo foi feito de forma gradual e crescente desde a chegada de Diogo Cão à foz do rio Zaire. Deste processo emerge um território traçado a régua e esquadro, e que se convencionou chamar de Angola, uma corruptela, ou seja, é o aportuguesamento do termo Kimbundu “N´gola”, símbolo de poder e nome dum reino ao lado de outros existentes na altura, incluindo o grande reino do Congo dia Ntotila. Vencidas as etapas da escravatura e colonização, segue-se a independência, cuja opção política era o monopartidarismo de vestes socialista, aquelas vestes do socialismo científico em voga na época. Bons tempos (…). Desta fase, segue-se a do multipartidarismo imposto pela rebelião armada com todos os seus males e prejuízos ao nosso desenvolvimento. No arrefecimento deste conturbado período, convocam-se a 29 e 30 de Setembro de 1992 as primeiras eleições gerais em Angola. Os resultados não convenceram outras forças políticas, tendo-as rejeitado o que se explica na guerra que se estende até 4 de abril de 2002, dia, mês e ano da assinatura dos acordos de paz. Vencemos definitivamente a guerra armanda que começou com a presença dos portugueses, desde lá até esta última data que indicamos este território que hoje é Angola nunca conheceu a paz. Foi sempre um palco de guerras de domínios e resistências, de mortes e sobrevivências. Aliás, é só olhar para a arquitetura das cidades do litoral, tomo como exemplo as fortalezas ou fortes, são verdadeiras cidades militarizadas. Desde a rejeição dos resultados eleitorais de 92 até hoje, passaram-se 16 anos, só este ano e no dia 5 deste mês é que vamos voltar a legitimar um governo pelo voto. Como se pode ver, todo o período anterior ao que vamos entrar (democraticamente) a partir do dia marcado para as eleições, as preocupações com a matéria ligada aos aspectos culturais foram diluídos neste ambiente de triste memoria, as nossas preocupações passaram apenas a ser para as questões imediatas. Daí acreditarmos que o país se pode redesenhar, isto é, refuncionalizando, o ambiente cultural entre o tradicional e o moderno eivado de contaminações e hibridismos de forte expressão é o nosso desejo.

Angola - continuar a crescer sem voltar a abrir às portas do inferno

Meu kamba Claudio, é bem claro e visível o desenvolvimento desigual do nosso território, como é óbvio. As viagens que temos estado a efetuar por algumas localidades levaram-nos a ver que estas localidades perderam, pelos menos ainda estão abandonadas, algumas das belas estruturas que já possuíam herdadas na colonização. Isto é uma constatação, aconteceu no antigo colonato do Vale do Loge, terra onde nasci e que está situada na província do Uíge. Esta localidade e outras tantas desta imensa Angola, ressentem fortemente os efeitos da guerra. Foi possível constatar, isto porque a circulação entre as províncias está facilitada, o que só se podia fazer de avião ou barco, hoje vai-se fazendo por comboio ou por estrada devidamente asfaltadas, ou melhor, o país já está ligado por asfalto. O mesmo não aconteceu ainda com o nosso Vale do Loge, uma importante região agrícola, situada no município do Bembe. A viagem para lá só se faz por carro, Jeep, pelo facto da estrada que nos leva até lá continuar a mesma desde a sua construção e melhoria, ainda em 1972 pelos colonos. Pelo Vale do Loge passa um importante rio de Angola, tem um aeródromo, hoje sub aproveitado, estes elementos ligados às suas grandes potencialidades Agropecuárias, razão pela qual o regime colonial o transformou em colonato. Portanto, queremos experimentar brevemente as mesmas alegrias que temos tido, quando viajamos por estrada à Benguela, K.Sul, K. Norte, Bengo e Uíge. Nós clamamos pelas Cidades do Quitexe, Songo, Ambuila, Bembe, Vale do Loge e tantas outras localidades porque precisamos. Isto é o que esperamos como resultado para contrariar a tristeza em que se transformaram muitas destas localidades para a nossa surpresa, depois de cerca de vinte e poucos anos longe delas.  

Angola e o cultivo do fascínio pelo abismo: acordo ortográfico e línguas locais bantu

Meu kamba Claudio, o professor João Malaca Casteleiro e Pedro Dinis Correia escreveram:

“A questão da unificação ortográfica da língua portuguesa arrasta-se desde 1991. Nesta data foi adotada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica. Ora, fixar a língua legislativamente, a ortografia de uma língua, constitui um ato de soberania, ato praticado por Portugal sem a participação do Brasil (então o outro grande país de língua portuguesa), o qual não acatou aquela reforma.

Durante todo século XX foram várias as tentativas entre Portugal e o Brasil, para se chegar a uma ortografia comum. Essas tentativas ocorreram em 1931, 1943, 1945, 1971/1973, 1986 e 1990. Nestas últimas duas tentativas participaram já os novos países africanos, emergentes da descolonização portuguesa.

Assistimos, pois, desde 1911, a uma espécie de “guerra ortográfica” dos cem anos, à qual agora se pretende pôr termo. Ou seja, pondo em vigor o Novo Acordo Ortográfico de 1990, laboriosamente preparado por delegações da academia das Ciências de Lisboa, da Academia Brasileira de Letras e dos cinco países africanos lusófonos – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – e aprovado politicamente pelos ministros ou secretários de estado da cultura dos sete países, numa reunião efetuada em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. Tal acordo deveria ser posteriormente ratificado pelos parlamentos dos sete países para poder entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1994. Porém, só Portugal, o Brasil e Cabo Verde o ratificaram.

Em julho de 2004, numa reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, foi aprovado, por unanimidade, já com a participação de Timor-Leste, um protocolo modificativo do Acordo, segundo o qual este entraria em vigor, desde que ratificado apenas por três países. Ora, esta nova ratificação já foi efetuada pelo Brasil, por Cabo Verde e por São Tomé e Príncipe, esperando-se também que ela sela feita por Portugal e, como é desejável pelos restantes países em falta.

Atualidade e pertinência do Novo Acordo

O Novo Acordo Ortográfico de 1990, apesar de já terem passado 17 anos sobre a sua aprovação, mantém-se válido e atual.

As razões que, desde sempre, nortearam a procura de uma ortografia tanto quanto possível unificada da língua portuguesa são sobejamente conhecidas.

A primeira razão é de natureza histórica. De facto, torna-se imperioso pôr cobro a uma deriva ortografia de quase um século.

A segunda razão é de âmbito lusófono e internacional. Sendo a língua portuguesa um instrumento de comunicação de oito países, de quatro continentes, com mais de duzentos milhões de falantes, e língua oficial ou de trabalho de mais de uma dúzia de organizações internacionais, torna-se urgente que disponha de uma só ortografia unificada.

A terceira razão é de natureza pedagógica e também internacional. Nas várias escolas e instituições em que por esse mundo afora se ensina e cultiva o português, convém que haja só uma ortografia, e não duas, pois tal facilita a aprendizagem. 

Características gerais do Novo Acordo

O Novo Acordo privilegia, de certo modo, o critério fonético, em desfavor do critério etimológico. É o que sucede com a supressão, do lado lusoafricano, das chamadas consoantes mudas em palavras como ato (e não acto), direção (e não direcção), ótimo (e não óptimo) etc. Esta supressão, há muito consagrada do lado brasileiro, facilita a aprendizagem e o ensino da ortografia nas escolas. É natural que tal supressão provoque algum desconforto nos adultos, habituados a associar ao significado da palavra a imagem acústica da sua pronúncia e a imagem gráfica da sua forma escrita, imagens automaticamente memorizadas e, por conseguinte, difíceis de modificar, o que exige um ato consciente. Mas alguma prática da nova ortografia e o recurso, hoje de utilização tão comum, a um corretor ortográfico atualizado resolverão rapidamente as dificuldades.

No Novo Acordo introduziu-se o alfabeto português e neste incluíram-se as letras K,W e Y, que há muito figuram nos dicionários da língua portuguesa e se usam em palavras estrangeiras, e suas derivadas, e ainda em vários símbolos.

Reduziram-se e sistematizaram-se melhor as regras de emprego do hífen, sobretudo nas formações por prefixação, recomposição e justaposição, adaptando-as a práticas já recorrentes na grafia de certas terminologias.

Suprimiram-se alguns acentos gráficos e definiram-se, tão objetivamente quanto possível, a situações de dupla grafia, incluindo a dupla acentuação.

É certo que o Novo Acordo não consegue atingir a unificação ortográfica absoluta, uma vez que há diferenças intransponíveis dos dois lados do atlântico, as quais foram acentuadas pelo tempo. As tentativas anteriores de unificação possível, mas que, mesmo assim, abrangerá cerca de 98% do léxico e impedirá, com certeza, que as diferenças se aprofundem e ampliam. Manter-se-á assim a unidade essencial da ortografia da língua portuguesa. Repare-se que O Novo Acordo Ortográfico apenas afeta a grafia da escrita e não interfere de modo nem nas diferenças orais, nem nas variações gramaticais ou lexicais.

Está ainda previsto no acordo a elaboração de um amplo Vocabulário Ortográfico Unificado, com colaboração dos oito países lusófonos, o qual resolverá eventuais dificuldades que possam sugerir na aplicação do mesmo Acordo.

Enfim, o leitor encontrará a seguir uma súmula, tão clara e sucinta quanto possível, das modificações e alterações trazidas pelo Novo Acordo Ortográfico de 1990”

Meu Kamba Claudio, será que nós os de cá não vamos atrelados? Temos uma realidade lingüística com elementos suficientes, desde que plausivelmente estudados, para enriquecerem e dar em justa medida, como seu contributo. Estas são as nossas reflexões.

 

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Leia também poemas do autor, a Carta de Luanda (I), uma entrevista com o autor e o ensaio de Claudio Daniel.

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Abreu Castelo Vieira dos Paxe nasceu em 1969 no vale do Loge, município do Bembe (Angola). Licenciou-se no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), em Luanda, na especialidade de Língua Portuguesa. É docente de Literatura Angolana nesta mesma instituição e membro da União dos Escritores Angolanos (UEA), onde é secretário para as atividades culturais. É técnico de comércio externo pela escola de comércio. Publicou A chave no repouso da porta (2003), que venceu o Prêmio Literário António Jacinto. No Brasil, foi publicado nas revistas Dimensão (MG), Et Cetera (PR) e Comunità Italiana (RJ), e em Portugal, na antologia Os Rumos do Vento, (Câmara Municipal de Fundão).

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