A
POESIA AZUL DE FERNANDO KOPROSKI
Rodrigo de Souza Leão
O
poeta atual - devido aos alicerces que fundamentam a poesia
de hoje - está quase sempre em uma profunda oscilação entre
o caráter dionisíaco e o apolíneo em sua arte. São raros os
casos de convivência pacífica entre estes dois extremos. Coloco
aqui o apolíneo como sendo a propensão a uma forma "enxuta"
à moda cabralina no poema, e, vejo como dionisíaca o acento
maior para o conteúdo. Ou seja, para um bom projeto literário
é necessários que estas duas forças, as de forma e conteúdo,
apolíneo e dionisíaco, estejam lado a lado em uma peça literária;
e que elas participem em uma igualdade de força e tensão: proporcionando
assim uma estética de completude na escrita de um autor.
O
poeta vive na corda bamba. Se ele for excessivamente forma corre
o risco de se perder sem conteúdo e se for o oposto, a forma
pode ficar prejudicada e o poema embarcar pelos caminhos de
uma poesia tíbia: onde a estrutura não possui uma tensão que
a peça deve ter. Afinal não são mais tempos de uma escrita grandiloquente
em que o poeta se adula de metáforas e linguagem conotativa.
Então se faz necessário uma pergunta: como equilibrar a forma
e o conteúdo numa poética? Como estar em patamares aceitáveis
os níveis de apolíneo e dionisíaco na arte de escrever versos?
Essa
pergunta pode ser respondida citando o exemplo do poeta Fernando
Koproski, no livro Pétalas
pálpebras e pressas (Sesquicentenário/2004), sua quarta
incursão pelo mundo poético. Neste, Fernando dosa muito bem
o conteúdo e forma: incorporando os ensinamentos de Cabral,
o de não perfumar a flor e o conteúdo lírico de Vinícius de
Morais, o de falar de amor despudoradamente.
Posso
partir do pressuposto que a poesia de Koproski esta alicerçada
em duas temáticas bem definidas: 1.a de metalinguagem e 2.a
lírico-amorosa. A primeira é uma ambição alcançada desde uma
advertência - nas primeiras páginas do opúsculo - de que este
apanhado de poemas não é de poesia e sim sobre o
assunto. A segunda já fazia parte dos primeiros projetos, em
livros anteriores, do autor. Mas há espaço também para o hibridismo
temático, onde o poeta alça um vôo "azul" sobre estas duas vozes
que fazem parte de seu repertório.
Convenhamos
refletir que tanto a metalinguagem quanto o amor já foram exaustivamente
usados poeticamente. Aí que está a força de Koproski: utilizar
temas recorrentes na literatura de maneira nova, sem cair no
lugar comum. Para isto o autor, como nos diz Paulo Sandrini
na orelha do livro, lança mão de ¨doses de oxímoros, metonímias,
metáforas, sinestesias, sinédoques, aliterações, assonâncias,
melopéias, fanopéias, logopéias e coisa e tal". E são doses
exatas. Tudo de um modo diferente a serviço da boa poesia.
AZUL
Para
Koproski azul é a cor do poema. Trata-se de um ensaio - que
consta do livro - em que o autor elabora a noção de que esta
tonalidade é a mais poética para a poesia.
Pétalas pálpebras e pressas está dividido
em três partes. A primeira delas ( a minha maneira de estar
sozinho ) é composta de belos poemas e poemas em prosa. Podemos
citar vários exemplos de como o poeta alcança o seu intuito,
como nesta peça sem título: "um dia talvez/quando tinha 17/agora,/tarde
demais(...)//noites por certo/quando tinha 27/até que escrevi(...)//hoje
tenho tantas tardes(...)//tarde demais pra ser rimbaud/ou
pra cometer o suicídio/um pouco cedo ainda/pra pensar em ser
Vinicius."
A
segunda parte do livro ( o que o poema? ) reúne alguns ensaios
que versam sobre o fazer poético com muita delicadeza e personalidade,
a maneira de Koproski: com muita poesia.
A
terceira e última seção têm como abertura um belo poema também
sem título:
desde
que decidi viver
morrer tem sido a vida inteira
lago a lago à espera de um amor
morrer esse mar que me lê
em páginas e mais páginas de areia
Há
também um ensaio entremeado com a poesia de Koproski em que
mostra o virtuosismo ensaístico e poético. Tudo ao mesmo tempo:
num só encadeamento. Juntando ensaio, prosa poética e poesia
num trabalho de habilidade ímpar.
Assim
como os Beatles têm um álbum branco que entrou para a história
da música, quem sabe este não será o livro azul de Koproski:
a entrar pra história da nossa nova poesia brasileira.
*
Rodrigo de Souza Leão
nasceu em 1965, na cidade maravilhosa de São Sebastião
do Rio de Janeiro. É autor de Há Flores na Pele e co-editor
de Zunái.
Leia também poemas
do autor e seus ensaios sobre Antônio
Mariano e Sérgio
Cohn.
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