DIZENDO
O MÍNIMO COM O MÁXIMO DE IMPACTO
Rodrigo de Souza Leão
Muito já foi feito, em termos de poesia, usando-se a metáfora
com animais. Não é de hoje que os bichos são tema de poemas.
Por isso, o poeta que se entregar à tarefa de elaborar um
livro sobre esta temática deve tomar muitos cuidados. Alguns
deles, importantes: o de não facilitar a escrita e o de não
comprometer este projeto, utilizando-se de uma retórica pouco
elaborada, que não revela uma nova visão sobre o objeto, fonte
de inspiração do poema. O poeta tem por obrigação correr o
risco e não deve facilitar sua poética pelo fato de estar
escrevendo uma poesia temática. Mesmo sabendo que não está
a escrever nada de novo.
Todo
escritor tem de romper os grilhões do estabelecido e apresentar
uma nova visão sobre o tema em questão. Trata-se de uma característica
da pós-modernidade: escrever sobre o ontem - ou com o ontem
- tendo os olhos de um bardo de hoje em dia.
Foi
correndo todos estes riscos que Sérgio de Castro Pinto criou
o seu Zôo Imaginário (Editora Escrituras, 2005). Trata-se
de uma coletânea de poemas que reúne 20 peças inéditas e mais
algumas já publicadas em opúsculos anteriores. O livro - que
fala de animais - é uma ode à criatividade humana e mostra
toda a potência da poesia logopeica de Castro Pinto.
A
poesia de Sérgio é de uma arquitetura ímpar e junta dentro
dela toda a força apolínea da forma e toda a força dionisíaca
do conteúdo. É poesia em seu mais alto quilate. Naquilo que
faz a dupla potência do que está escrito e do que é dito a
cada entrelinha, sempre coroada com um final impactante.
Ele
nos guia para jogos lúdicos, descortinando mundos que percorrem
toda a vida do ser humano. Ao elaborar seus poemas, abre uma
conexão com a infância, terra fecunda onde os bichos habitam.
Mais
do que escrever sobre animais, o poeta nos diz - de uma maneira
bem peculiar - sobre a afinidade que os bichos guardam entre
si e sua relação com os homens e os objetos inventados pelos
homens. Um poema que demonstra uma destas afinidades:
os
pardais
os
pardais são me(l)ros
vira-latas de asas
fuçando os quintais
Vê-se aí uma comparação entre o pássaro e o cão. O poeta costura,
tece e borda - como artesão - a linha condutora que faz com
que o vira-lata e o pardal se encontrem no poema. Este é o
Zôo que é urdido no imaginário do leitor.
Mas
como já disse, existe também a metáfora com o homem, com o poeta:
"nem sempre o poeta/ronda o poema/como uma fera à presa".
Aqui neste exercício de metalinguagem - trata-se de uma peça
intitulada "poeta e poema" - em que o escritor nos
fala da relação entre poeta, poesia e presa, há um jogo de esconde-esconde
e de "decifra-me ou te devoro", que é característica
da poética de Sérgio. Ele é dono de uma poesia que voa como
uma pipa. O poeta vai dando linha, dando linha, aquele
utensílio que serve para dar ao homem a sensação de vôo vai
subindo, subindo, e a criança ou o adulto brincalhão: brincando,
brincando... Há
ainda a relação de animal e objeto:
as
cigarras
são
guitarras trágicas
plugam-se/se/se/se
nas
árvores
em
dós sustenidos
kipling recitam a plenos pulmões
gargarejam
vidros
moídos.
o
cristal dos verões.
Nesta bela peça, Sérgio faz uso do isomorfismo prolongando
- o "se" como se fosse o canto da cigarra - e, além
disso, compara o som do inseto ao de uma guitarra. Tudo com
a força do minimalismo de impacto: dizer o mínimo, para alcançar
o máximo. Aí esta a chave para entender a proposta do autor.
Como se Castro Pinto tivesse dentro de si todo este zoológico
e nos revelasse, agora, todos os animais que habitam a sua
poesia.
O
livro traz um longo prefácio escrito por José Nêummane Pinto,
que esmiúça a poesia do bardo paraibano. Além disso, há as
ilustrações de Flávio Tavares, que dão forma pictória à imaginação
do autor.
Por
isso, convido os leitores a fazer uma visita ao Zôo Imaginário
de Sérgio de Castro Pinto, onde é possível dar de cara com as
inusitadas e inauditas visões do autor, já consagrado - e cada
vez mais pujante- consolidando a sua posição como uma das boas
revelações da poesia brasileira.
*
Rodrigo
de Souza Leão
nasceu em 1965. É carioca, autor de Há Flores na Pele
e co-editor de Zunái.
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Koprovski. |