A Clausura
dos Animais Obscenos (*)
Peter
Greenaway
Nos anos formativos da
Zoologia, quando os vitorianos entusiasmados varriam o mundo
em busca de mais animais, e mais, para sustentar suas teorias
e encher seus zoológicos, um número considerável
de espécies, das quais agora nada sabemos, foi descoberto.
Os animais em questão parecem ter vindo de várias
ordens diferentes e de habitats amplamente diversificados.
Os registros sugerem que alguns eram grandes e perigosos,
mas que a maioria eram anfíbios da África Central,
nenhum deles maior que o Sapinho Comum da Europa.
Uma interpretação
perfeitamente razoável da evidência poderia sugerir
que os moderadamente pequenos Anfíbios Africanos aparecem
em maioria só porque estavam mais bem documentados,
tendo a informação sobre outros animais, maiores
e mais perigosos, sido suprimida porque eles eram considerados
os mais ofensivos. E ofensivo é a palavra correta neste
contexto porque os vitorianos os consideravam obscenos.
Nos primeiros meses de
1863, Samuel Baker, subindo o Nilo para um encontro com Burton
e Grant em Gondokoro, foi obrigado a passar pelo Sudd, o pântano
de papiro que na estação das chuvas podia cobrir
uma área do tamanho da Inglaterra. A caminho do extremo
sul do Lago No ele encontrou, entre fauna cada vez mais estranha,
uma série de répteis e anfíbios tão
interessantes que deu-se ao trabalho de remetê-los a
Londres. Do número original de animais enviados, ao
menos sete espécimes chegaram vivos à Sociedade
de História Natural, entre eles uma espécie
de sapo vivíparo, uma salamandra que sempre fingia
estar morta e dois outros animais cuja conexão com
os anfíbios conhecidos então era tênue,
mas que podiam ser algum tipo aquático de caudata.
Baker mandou outros exemplos dos mesmos animais, e de outros
igualmente assombrosos que abatera e conservara em sal, para
a Fundação Real de Taxidermia em Parliament
Hill Fields.
Os espécimes vivos,
parece que sobreviveram vários anos sob os cuidados
do zoológico de Regent's Park, onde foram abrigados
numa área especialmente fechada que logo passaria a
ser chamada de clausura dos animais obscenos. Só as
pessoas com real e comprovado interesse nos fenômenos
zoológicos tinham ali livre acesso, embora se permitissem
a certos clérigos da Igreja da Inglaterra, certos escritores
e pelo menos um pintor-gravurista acostumado a trabalhar para
a Sociedade de História Natural, visitas ocasionais.
Não era permitido desenhar ou tomar notas no local
e, desde então, apenas dois relatos, obviamente escritos
pós-evento e desaparecidos da maneira característica
dos documentos relacionados a este caso, , teriam sobrevivido.
Sabe-se que um, manuscrito, esteve uns tempos no Museu Britânico;
outro é mencionado em inventário de documentos
em poder de Darwin no ano de 1889.
É para os espécimes
mortos deixados na Fundação de Taxidermia que
temos evidência um pouco mais substancial. Um aprendiz
ou estudante empregado pela Fundação desenhou
os espécimes nas jarras de preservação
antes de sua remoção. Não se sabe se
o estudante foi incumbido de desenhá-los ou se o fez
subrepticiamente, em beneficio próprio. O Curador da
Fundação, em carta à Sociedade de História
Natural, sugeriu a última dessas duas possibilidades
e tachou de incompetentes, distorções sensacionalistas,
inadmissíveis dentro das regras legais, os desenhos;
quanto ao estudante, ou aprendiz, já que a correspondência
não esclarece sua condição, tinha sido
expulso e consideravam mover um processo contra ele.
Descobriu-se muito mais
tarde ser duvidoso o Curador ter visto tais animais. Poucos
poderiam, pois os espécimes começaram a deteriorar
assim que desembarcaram na Inglaterra - ninguém sabe
se foi acidente, má preparação inicial
ou sabotagem. É possível que a relutância
de todos em ter algo a ver com eles tenha enfim permitido
que se decompusessem ao sabor de seu próprio e delicado
ritmo. Os espécimes que alcançaram qualquer
sobrevivência além de umas semanas depois da
data da carta do Curador seriam em breve destruídos
oficialmente, mas, de novo, há evidência de um
inventário completo não ter sido feito, e alguns
deles parece que escaparam de ser queimados no incinerador
da Fundação.
Um amigo e agente de Samuel
Baker em Londres tentou melhorar a situação
do aprendiz-estudante, sugerindo que as ditas distorções
sensacionais vinham das condições apinhadas
dos recipientes com álcool, e da preparação
imperfeita dos espécimes. Seja como for, os desenhos
não foram prontamente destruídos e, de acordo
com o agente de Baker, foi feita ao menos uma cópia
deles. Nem original nem cópia foram exibidos em público
desde 1893, embora haja evidência de que a cópia,
ou pelo menos uma cópia, tenha sido vista em New York
em particular, quando os papéis de James MacQueen foram
leiloados, no ano de 1910. Desde então, vigorou o silêncio.
As notícias de
toda essa movimentação e reação
profissional só chegaram a Baker bem depois de ele
ter feito uma segunda remessa, diferente talvez, desde os
pântanos do Rio Kafu a sudoeste de Mrooli. Baker estava
aflito para chegar às margens do Luta Nzige, que o
mundo iria conhecer como Lago Albert, e vinha enfrentando
grandes dificuldades no terreno pantanoso. Sua esposa delirava
com insolação, assim como os demais membros
do grupo eles andavam meio mortos de fome e sempre encharcados
na chuva incessante, mas ele ainda arranjou tempo e energia
para capturar e despachar os espécimes. Aí se
revela a espantosa e irresistível natureza de seus
achados. O que eram exatamente os animais desta vez não
se sabe, embora o zoológico tenha acusado o fato de
receber 12 anfíbios e cuidadosamente registrado que
deveriam ser colocados num dos sete viveiros já então
construídos, na clausura dos animais obscenos.
Nessa época, tanto
Henry Storey, Professor de Zoologia na Associação
Científica de Manchester, como Dr Carey, o especialista
em Linnaeus, e Sir Thomas Woolering tinham sido admitidos
na clausura. Parece que Carey tinha realmente tentado encaixar
as várias espécies nas categorias de anfíbios
conhecidas e, incapaz de fazê-lo, achou necessário
inventar quatro novas ordens. De brincadeira, o que estaria
completamente fora de suas características conhecidas,
ou na mais peculiar inocência, o fato é que Carey
nomeou duas das espécies em homenagem a Baker e sua
jovem esposa húngara, Florence Ninian von Sass. O sapinho
Sassiano, descobriu-se, era um anfíbio particularmente
estranho cujas preocupações e anatomia sempre
atraíram a maior atenção. Seguramente
Carey teve oportunidade de dissecar no mínimo um dos
espécimes e descrever as certas partes do animal que
tinham causado ofensa.
Então Richard Burton
se envolveu, mandando três caixas grandes de espécimes
animais de Santos, Brasil. Burton subira o Rio São
Francisco com uma expedição até as Cachoeiras
de Paulo Afonso. Dentro das caixas estavam sete animais e
as carcaças de mais dois que tinham morrido na longa
travessia do mar. Essas duas carcassas tinham sido salgadas
e amarradas em panos encerados, presumivelmente com a ajuda
dos transportadores, e podia ser que os marinheiros a bordo
tivessem tido conhecimento de sua carga fora do comum. Os
animais, até onde é possível conjeturar,
eram duma espécie de porco sem pelos, preto e rosa.
Mal nutridos e em péssimas condições,
os animais foram desencaixotados em Regent´s Park diante
de um surpreso grupo visitante de naturalistas. As Autoridades
do Zoo mandaram imediatamente confinar os animais na Clausura
dos Animais Obscenos, que já obtivera a distinção
de ter o nome escrito em letras maiúsculas.
Notícias dos recém-chegados
chamaram a atenção de dois jornalistas que haveriam
de descobrir a existência da clausura especial e alertar
os seus editores. No caloroso debate que se sucedeu, ficou
patente que a clausura tinha outros ocupantes. Além
dos Anfíbios de Baker e agora os Porcos de Santos,
havia outras sete espécies, quatro das quais, ao que
tudo indica, fornecidas por Burton de uma expedição
Africana mais antiga. Duas eram de macacos, e uma, um mamífero,
talvez parente do hipopótamo, em estado crônico
de gravidez, e visto como uma anomalia. O resto eram morcegos
que Burton descobrira em cavernas numa de suas incursões
de Fernando Po oeste d'África adentro.
Certos aspectos da extravagância
e da franqueza de Burton já tinham desagradado antes
a Sociedade de História Natural , e eles tinham visto
suas oferendas zoológicas com ceticismo. Mas não
houve quem disputasse a originalidade da última descoberta
de Burton. Com a evidência de sete espécimes
vivos diante dos olhos, era difícil dizer que os animais
eram aberrações como no caso do pseudo-hipopótamo.
É triste constatar
que devido à controvérsia que os donativos de
Burton causaram nas Sociedades Zoológica e de História
Natural, uma caixa de curiosidades animais enviada mais tarde
de Dahomey tenha sido ignorada deliberadamente por um curador
hiper-sensível da Sociedade de História Natural,
até que o fedor das carcaças dentro dela forçou-o
a queimá-la em segredo. Mas não suficientemente
em segredo, pois algumas informações se espalharam
com rapidez e houve um ruidoso protesto de zoólogos,
por sua vez abafado pelas forças da decência
que se ergueram energicamente em defesa da ação
do curador. Burton descreveu mais tarde os conteúdos
da caixa como sendo "um casal de bodes e um urso de divã".
O mistério do último nome não foi explicado
e a descrição "um casal de bodes"
deve significar bem mais do que os previsíveis animais
domésticos que ela sugere.
Burton havia descoberto
e descrito vividamente toda sorte de criaturas desconhecidas
ou das quais ninguém ouvira falar na Europa. É
até possível, a julgar pelo que ele anotou num
diário de 1868, que tenha visto o Okapi, um animal
do qual o mundo não tomou oficialmente conhecimento
até 1900. Burton manteve um registro completo de seus
achados e das contribuições que fez à
Associação de História Natural e, desde
que soube de sua existência, à Clausura dos Animais
Obscenos. Como tantos outros, porém, seus documentos
e diários desapareceram no incêndio dos papéis
tão habilmente organizados por sua viúva. Apenas
18 páginas, o registro de algumas poucas semanas passadas
na América, sobreviveram de um diário que ele
manteve escrupulosamente por 40 anos.
Pouco depois da chegada
dos porcos de Burton, um certo Major-Coronel Capelstan, vindo
de Tripoli em férias, visitava o Zoológico de
Regent´s Park com uma dama quando, acidentalmente ou
não, encontrou um caminho desobstruído para
a Clausura dos Animais Obscenos. Dizem alguns que a Dama esperou
do lado de fora, outros que ela entrou com seu acompanhante
e saiu carregada em uma maca. Um terceiro grupo afirma que
ela viu ali muitas coisas que a deliciaram e divertiram.
O Major-Coronel, embora
genuinamente surpreso, parece ter ficado tão incerto
quanto as pessoas que relataram as reações da
dama, sobre como se sentiu diante do incidente. Num momento
ele faz coro com os curadores do zoológico e se diz
chocado; noutro, concorda com os zoólogos, crendo que
os achados são de grande importância zoológica,
e também gozou de libidinosa reputação
entre seus colegas oficiais enquanto fonte de hilariante informação.
Quaisquer que fossem suas reações pessoais,
poucos dias depois de sua visita à clausura, um número
considerável de pessoas, de outra maneira desinteressadas
em zoologia, começaram a visitar o zoológico
na esperança de inspecionar a CAO, a clausura conhecida
agora por suas iniciais.
Há evidência
de que moradores de Marylebone e Parliament Hill, Camden Town
e Kentish Town, achavam que a segurança física,
e talvez, principalmente, a segurança moral de suas
crianças e criados, corria sério risco caso
os animais escapassem. Como resultado deste sentimento público,
um magistrado de Marylebone, Thomas Bowen, foi convidado a
inspecionar os animais, e conduziu uma entrevista com o Major-Coronel
Capelstan. Tudo indica que quando Bowie chegou ao zoológico
ele certamente viu os anfíbios, mas pouco mais, se
tanto, salvo a carcassa de um dos porcos de Burton. Uma delegação
de biólogos pediu a Carey e Sir Thomas Storey que fossem
ver Bowen para saber se algo que prejudicasse os seus estudos
dos animais estava para acontecer.
Parece ter havido uma
tentativa de conciliar todos os movimentos realizados nas
semanas seguintes, mas sobreviveram evidências suficientes
para sugerir que uma reunião geral teve lugar na Corte
dos Magistrados de Marylebone. Suas conclusões permanecem
sem registro, mas três semanas depois o Major-Coronel
Capelstan deixou a Inglaterra, não para Tripoli como
seria de esperar, mas para a África Central, seguindo
muito do mesmo caminho que, acreditava-se, Samuel Baker teria
tomado. Na expedição de Capelstan estavam três
zoologistas, um dos quais era perito em répteis e anfíbios.
O próprio Capelstan esteve fora por 13 anos, dois dos
zoólogos nunca voltaram e o terceiro, o especialista
em répteis e anfíbios, passou o resto de seus
dias em Alexandria onde era responsável por um pequeno
zoológico. Dizem que Burton, quando era cônsul
em Damasco, contribuiu com somas consideráveis para
a manutenção do zoológico.
Quando voltou à
Inglaterra, Samuel Baker teria ido ao zoo de Regent´s
Park para visitar os animais que tinha doado à CAO.
Não há registro de seus comentários,
mas ele nunca mais teve qualquer coisa a ver com a Sociedade
de História Natural. Um ano depois o agente de Baker
visitou o zoológico pela mesma razão e contaram-lhe
que a Clausura dos Animais Obscenos já não existia
e que todos os espécimes haviam morrido. O agente de
Baker encontrou Burton em Vichy em 1869, e na presença
de Swinburne, disse-lhe que a Sociedade havia declarado que
a clausura não existia mais porque os animais originais
tinham morrido e tinha sido impossível cruzá-los
com sucesso.
Conta-se que Burton e
Swinburne caíram na gargalhada, considerando que as
características dos bichos pareciam sugerir que eles
pouco faziam além de copular. Burton acusou as autoridades
do zoológico de isolarem os animais contra a sua natureza,
ou ainda de alguma hedionda tentativa de operação
física para torná-los aceitáveis. Segundo
Victor Maracel, esta observação, ao lado de
outros materiais documentados de Burton, é que deu
a HG Wells a idéia que emergiria mais tarde em "A
Ilha do Doutor Moreau".
Poucos meses depois do
agente de Baker ter ouvido sobre o fechamento do Clausura
dos Animais Obscenos, Alfred Spachmann sondou Carey sobre
uma expedição zoológica que ele planejava
fazer na China e, no decorrer da conversação,
Carey confidencialmente mencionou que a Sociedade de História
Natural estava cuidando de alguns animais no Windsor Great
Park. Ele também confirmou que o Major-Coronel Capelstan
tinha ido de fato à Africa Central com apoio de fundos
coletados pela Sociedade de História Natural.
Até aqui havia
realmente poucos fatos que qualquer pessoa ligada com o caso
pudesse confirmar ou negar, mas daqui em diante qualquer tentativa
de documentação autêntica acaba por completo,
e o rumor e a especulação ganham força
extraordinária.
Foi sugerido que Sir Thomas
Carter Monroe tinha abastecido um zoológico com curiosidades
em Baden-Baden com a ajuda de Burton e de doações
anônimas desde Alexandria. Escandalosas fortunas teriam
sido feitas da exibição e do leasing de certos
primatas pelados deste zoológico que também
era responsável por suprir com animais circos itinerantes
na Hungria e na Crimea. Um cartum no Illustrated London News
sugeriu que a perseguição dos ciganos na Polônia
foi agravada por freqüentadores de uma feira excitados
pelas performances de certas curiosidades animais. Em que
sentido eles foram excitados fica deliberadamente sem ser
esclarecido.
Os mais fortes e mais
persistentes rumores associados com este assunto dizem respeito
à morte de John Hanning Speke. Encurralados em ferrenho
antagonismo envolvendo suas teorias opostas sobre a localização
da fonte do Nilo, Burton e Speke tinham concordado em expor
seus argumentos em público num encontro da Associação
Britânica para o Progresso da Ciência em Bath.
Na tarde antes do encontro, Speke morreu fulminado por um
tiro. Certamente auto-inflingido, mas se por acidente ou desígnio,
a morte de Speke ainda está aberta a especulações.
Um mês após
a morte de Speke, o Morning Advertiser recebeu um artigo escrito,
diz-se, por James MacQueen, cuja forma de tratar Speke na
Imprensa havia sido até então maliciosa e caluniosa.
O Advertiser recusou o artigo mas aparentemente versões
dele de algum modo ganharam ampla circulação
e estimularam o rumor de que Speke teria descoberto que Burton
estava prestes a revelar no encontro de Bath, que ele, Speke,
tinha mantido um primata pelado não-identificado à
guisa de animal doméstico, que este nunca o abandonava,
noite ou dia, quando ele trabalhava na África, e que
ambos tinham sido vistos juntos banhando-se em um tanque de
águas de chuva na casa da família de Speke em
Dowlish Wake em Wiltshire. Sustenta-se que a eloqüente
intenção de Burton de publicidade consubstanciando
esta revelação tinha sido demais para Speke,
e ele atirara em si mesmo de modo fazer sua morte parecer
um acidente.
É verdade que as
pressões sobre Speke eram muito grandes. Ele tinha
feito muitos inimigos, e o encontro em Bath era crucial para
a sua credibilidade. Seria assistido por celebridades do mundo
científico e biológico incluindo Murchison,
o Presidente da Royal Geographical Society, e por ninguém
menos que o luminar Livingstone. Burton era um excelente orador
e, nas circunstâncias de ignorância geral sobre
a África Central, tinha argumentos muito razoáveis
para refutar aqueles de Speke. Assim, parece tão desnecessário
quanto improvável que Burton se rebaixasse a uma atitude
tão vexatória, que com certeza bateria de volta
contra sua própria pessoa.
Speke havia sido acompanhado
pelo próprio Burton na primeira expedição
africana e por Grant na Segunda, e nenhum dos dois mencionou
qualquer primata. Talvez MacQueen, ou o rumor que ele aparentemente
ajudou a estimular, estivesse fazendo algum comentário
complicado sobre Burton ou Grant. Manter um chimpanzé
não é razão especial para conduta imprópria,
embora possa ter sido um pouco excêntrico em 1869. O
previsível efeito do adjetivo "pelado" para
descrever o primata, numa audiência ligada em qualquer
rumor vindo da África, e possivelmente informada sobre
a Clausura dos Animais Obscenos, obviamente abria-se a toda
sorte de indefinidas possibilidades.
Uma vez iniciado, contudo,
o rumor recusou-se a morrer, especialmente quando foi alimentado
com a nova idéia que circulou de que um caixão
de cinco pés, portando os restos de um animal, tinha
sido enterrado sob o memorial de Speke em Kensington Gardens.
Ao lado do memorial se lê a inscrição
"Em memória de Speke, Vitória, Nyanza e
o Nilo". Especulou-se que Nyanza se referisse não
ao nome anterior do Lago Vitória, já que o nome
novo estava ali em todo caso, mas ao ocupante do caixão.
Quanto aos outros personagens
no drama, o Major-Coronel Capelstan morreu no Oeste da África
nalgum lugar da região do Rio Gabão. Burton
viajara por lá em 1862, na época em que era
Consul em Fernando Po, e foi daquela região que ele
enviou a segunda remessa de animais para Londres. Foi sugerido
que os habitantes da região celebraram sua morte porque
ela trouxe o fim de 12 anos de incêndios periódicos
na selva. Os restos mortais de Capelstan foram mandados de
volta à Inglaterra num caixão suficientemente
largo para conter dois corpos. Isto não era tão
incomum. Um caixão grande era considerado uma precaução
quando o cadáver podia muito bem inchar com as alterações
dramáticas de clima e temperatura a que estaria sujeito
na viagem para a Inglaterra. O caixão foi enterrado
no pátio da Igreja de Chiswick. Um ano depois, o agente
de Samuel Baker foi à Nova Iorque, e, sugeriu-se, aos
escritórios do New York Herald, que tinha sido empregador
de Stanley, verificar o rumor que ouvira a respeito da relutância
de Livingstone em deixar Ujiji. Não se sabe o que o
agente de Baker descobriu porque ele morreu ao cair de um
barco num nevoeiro e seu corpo nunca foi encontrado.
Quanto aos animais envolvidos,
não se encontraram documentos realmente verificáveis
sugerindo que eles tivessem sido vistos outra vez. A correspondências
da Sociedade de História Natural e da Fundação
Real de Taxidermia não faz mais referência a
qualquer animal que possa ter estado na Clausura dos Animais
Obscenos em Regent´s Park ou alhures. Se Capelstan obteve
sucesso em sua missão ao Sul do Sudão, e depois
no Oeste da África, não se sabe, se de fato
ele foi enviado para lá como exterminador, conforme
foi sugerido. O problema de erradicar uma espécie em
terra tão inóspita parece ter sido tão
impossível então quanto é agora. O extermínio
dos morcegos que encontravam-se localizados em alguns poucos
sistemas subterrâneos de cavernas na Criméia
pode ter sido fruto de persistente determinação.
Relatos ocasionais de
anfíbios isolados e não-identificados continuaram
a chegar do sul do Sudão ao longo dos últimos
anos do século dezenove, e os antropólogos têm
enfatizado com freqüência a significância
dos artefatos de prodigiosa sexualidade manufaturados por
duas tribos a oeste do Rio dos Antílopes, o Bahr-el-Ghazel.
Estes entalhes, tiaras e adornos têm sido ardentemente
ambicionados mas até agora não foram expostos
para o público em geral. Talvez seja também
verdade que sua sensualidade excessiva pode ser atribuída
a outros causas além de sapos copuladores.
Um zoo em Alexandria,
possivelmente uma continuação daquele fundado
pelo zoólogo que acompanhou o Major-Coronel Capelstan,
ficou conhecido por ter sido mantido pelo Rei Farouk até
a época de seu exílio. Supõe-se que tenha
sido fortemente guardado e que contivesse um grande viveiro
de anfíbios exóticos. Um ou dois dignatários
Europeus teriam sido bastante privilegiados e discretos para
visitar a coleção mas jamais o admitiram.
Um recente rumor sugeriu que no primeiro rascunho dos "Sete
Pilares da Sabedoria", perdido mais tarde dentro de um
trem, TE Lawrence teria supostamente tecido longos comentários
sobre uma coleção de animais, entre eles diversos
sapos, que viu no Cairo. Ele os viu aparentemente na mesma
época em que teria tido a experiência da "Estrada
para Damasco" que coloriu o restante de sua vida.
*
Tradução:
Ethon Amilcar da Fonseca
*
Leia também: O
Livro de Cabeceira de A a Z , Os
24 Livros de Próspero, Janelas,
Três Contos,
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