CAFÉ
EXPRESSO COM POESIA
Rodrigo de Souza Leão
A
poesia é só linguagem? Há muitos poetas que abrem mão do conteúdo
em prol da linguagem e vice-versa. Talvez o mais difícil seja
aliar um conteúdo apolíneo com uma forma dionisíaca. Este
equilíbrio exige muito mais do poeta do que abrir mão de obter
uma igualdade de forças no poema. Por isso valorizar e exaurir
todas as possibilidades de uma peça poética seja o objetivo
de todo o poeta. É a dificuldade de enfrentar a batalha entre
essas duas aparentes dicotomias - hoje em dia - que impulsiona
o bardo pós-moderno. Se tudo já foi feito, resta restaurar,
religar os pólos que se apresentam como forças opostas dentro
de um discurso em versos ou em poemas em prosa. Dar apenas
um recado nunca aproximou nenhum artista da verdadeira arte,
também amontoar palavras numa discursiva transmitindo nenhum
sentido não irá levá-lo a um projeto literário sólido. A atmosfera
idílica é tão importante quanto o interior da discursiva.
Assim o bom poeta é aquele que consegue aliar e atrair para
a sua poesia toda uma gama de aspectos que lhe propiciem alcançar
o que deseja: cônscio das ferramentas necessárias para tal.
Ter uma meta e partir em direção dela. Chegar a tudo aquilo
que é necessário racionalmente e irracionalmente, por que
não. Doses de loucura combinada com pitadas de realidade são
bem-vindas a este habitat.
Neste
cadinho tudo deve estar alquimicamente balanceado para que
o poeta não embarque numa canoa furada e comece a encharcar
seu barco poético com muitos recursos que não dirão nada a
ninguém, correndo o risco de tornar-se mais um em meio à multidão
e não um raro exemplo de quem sabe fazer versos inovadores
e impactantes.
Pensando
assim é que podemos avaliar a poesia de Greta Benitez. Ela
tem o que dizer e o diz de forma inovadora e de uma maneira
feminina. Também é necessário aqui afirmar que a tendência
de mostrar o universo de mulher não enfraquece o trabalho
da poeta, pelo contrário, mostra como funciona a mente criadora
da artista em tempos de crise, em dias em que não é necessário
mais debater se existe ou não escritura feminil. Aliás, este
debate pode nos levar a lugares pouco interessantes. De que
importa assinalar se é o escritor ou a escritora quem escreve
o livro? O importante é saber se - através de seu repertório
- o autor em questão consegue decolar e alçar um vôo nobre
e um olhar arguto sobre os temas escolhidos ou eleitos para
serem abordados em seu opúsculo.
Greta
consegue e o faz de maneira ímpar mostrando que uma mulher
não precisa escrever como homem e nem deve ser tratada como
tal por ter uma estética forte. O conteúdo bem elaborado nos
coloca em contato com um mundo onde a paixão e o amor são
necessários e podem ser vistos por um olhar aguçado e exacerbado
no que tange a diversas categorias do enamoramento. Desde
paixões platônicas até amores perdidos em copos de cólera
ou ainda desencontrados em esforços de tentá-los duradouros.
Trata-se de um delicioso painel da vida romântica em dias
onde vale quase tudo quando falamos da questão amorosa.
Ela
lança luz sobre temas obscuros e também faz o contrário: elabora
um relicário onde o desafeto conduz muitas vezes a uma solidão
tão profunda quanto o sentimento de angústia tão comum nos
nossos dias. Greta Benitez não está sozinha. Monta toda
uma espécie de quebra-cabeça em seu Café Expresso Blackbird,
que é freqüentado por uma gama de seres meticulosamente envolvidos
ou ainda em desenvolvimento de afeto. A lírica amorosa é a
praia da escriba que parece não se esforçar muito para colocar
no papel o dia-a-dia ao qual estamos acorrentados. Benitez
solta todos os grilhões e nos mostra com quanta metáfora e
linguagem conotativa se faz um labor de nível alto.
Antenada
com tudo de novo que está acontecendo, ela se insere numa
espécie de fronteira onde o clássico e a invenção fazem detonar
a mesmice que podemos encontrar em outras poéticas puramente
estetistas. Não que a estética da artista fuja a noção cabralina
de que um poema deve conter o necessário e nada mais que ele
para alcançar patamares elevados de criatividade.
Vê-se
também na autora uma forte ligação com o blues, no que tem
de mais melancólica esta manifestação. Ela se ampara no canto
dos negros americanos para construir seu próprio arsenal de
melancolia irônica. É a fina ironia do cotidiano de bares
onde os freqüentadores são seres estranhos que fazem de Café
Expresso um livro muito original. Sem cair nas banalidades
e com toques de sensibilidade rara vamos devorando cada um
dos poemas, e é uma novidade após outra que não faz
do conjunto desta obra algo desnivelado, pelo contrário: a
coesão temática é que junto com o lirismo difunde o cantar
blueseiro da moça. Tudo com leveza e propriedade de quem vive
em Curitiba e num dos bairros onde a vida cultural e gastronômica
é bastante intensa.
Engana-se
quem ao dar de cara com este exemplo de poesia venha a acreditar
que existe muita facilidade em concebê-la. Trata-se de um
olhar todo próprio e que demanda vários recuos. Várias leituras
dentro de uma leitura. É um livro intenso em sua sensualidade
e erotismo. Isto sem cair no lugar comum. De um modo peculiar
é traçada uma vida que muitas vezes esbarra na tristeza, mas
de uma maneira sempre leve, como se a escritora se esforçasse
em não criar o terror onde há espaço para celebração.
Com
tudo isso, com todo este conteúdo poético, Greta Benitez se
insere dentre as vozes mais criativas da poesia brasileira
atual e levanta algumas questões salutares: existe ainda amor
em tempos pós-modernos? Pode haver polifonia no lirismo amoroso?
É possível ser simples e sofisticado ao mesmo tempo? Onde
se encontra o apolíneo e o dionisíaco em doses homeopáticas
e bem equilibradas?
A
resposta está em Café Expresso Blackbird (Ed. Landy/2006).
*
Rodrigo
de Souza Leão nasceu em 1965. É carioca, autor de Há flores
na pele.
*
Leia
também poemas
e um conto
do autor, trechos da novela Todos
os cachorros são azuis e ensaios sobre Sérgio
Cohn, Antônio
Mariano, Fernando
Koprosky, Sérgio
de Castro Pinto e Leonardo
Gandolfi.
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